De acompanhante terapêutica a clube de atividades: alternativas para quem pensa na inclusão de PCDs
Antes de se perguntar se a sua escola está adaptada às pessoas com deficiência, pergunte-se: quantas referências você tem e qual será o caminho para inclusão?
Diversidades
Edição N.º 28, Maio de 2023
De acordo com o último censo do IBGE (de 2010), pelo menos 45 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, o que representa cerca de 24% da população do país. Mesmo assim, quantas pessoas com deficiência (PCDs) você conhece? Com quantas você convive? Quantas dessas pessoas você segue nas redes sociais ou tem como referência? Já parou para pensar como a sua escola é (ou não é) preparada para incluir essas pessoas na comunidade escolar? A pergunta passa pelos estudantes que são PCDs e pelos profissionais da educação que estão nesse grupo.
Ah, e quando eu falo em PCDs, não sei exatamente qual é a imagem que passa pela sua cabeça. Afinal, o termo engloba pessoas com diferentes deficiências (física, auditiva, visual, mental ou múltipla) e, como consequência, pessoas que têm diferentes necessidades. Para falar sobre esse assunto com todo o cuidado e respeito de quem trabalha com PCDs, a revista Fique Bem chamou a psicóloga e educadora Vânia Souza e a sua irmã, a administradora e também educadora, Adriana Souza. A dupla criou o projeto Inclub, uma espécie de clube, com atividades que vão desde aulas de yoga e baladas, até oficinas específicas e cursos de capacitação profissional, tudo voltado a PCDs.
As irmãs educadoras, Vânia (à esqueda) e Adriana (à direita)
“Temos muitas atividades online, mas também fazemos encontros presenciais em São Paulo. As pessoas que frequentam o Inclub têm mais de 17 anos e têm deficiência intelectual leve, então trabalhamos com pessoas com síndrome de Down, paralisia cerebral, autismo…”, conta Vânia. Segundo ela, o primeiro passo do Inclub é conversar com a família da PCD, entender suas dificuldades e, na sequência, incluí-la nos encontros. “A gente coloca todo mundo junto e vai conversando, trazendo o tema a ser discutido, e lidando com a dificuldade de cada um. Mas, de uma maneira geral, a gente foca mais nas possibilidades deles, do que nas suas dificuldades. Cada um traz a sua dor e alegria, mas a gente foca mais no que eles têm em comum”, afirma Vânia.
“A gente se comunica normalmente, como falaríamos com outras pessoas, mas usamos uma linguagem clara, repetimos quantas vezes for necessário, temos paciência e respeito pelo tempo deles. Vou usar um termo grosseiro, mas é isso: a gente ‘nivela por cima’, ou seja, a pessoa pode não entender em um primeiro momento, mas a gente vai construindo com ela, até para alimentar vocabulário e possibilitar que essa pessoa tenha maior autonomia em outros ambientes também”, comenta Adriana.
“O mais legal é que eles também se ajudam. Todos se sentem parte de um grupo, e se sentem acolhidos em suas dificuldades, mas não só nelas”, afirma Adriana. Para Vânia, essa inclusão real é muito rara nas escolas. “A gente ouve muitos deles lembrando da escola dizendo que ficavam no canto da sala, que não aprenderam muita coisa… É um problema que passa pelo despreparo dos professores, mas não só por isso. Poucas escolas dão condições ao professor ou estrutura de trabalho para que haja essa inclusão”, comenta. “O bullying também ainda é muito presente nas escolas”, completa Adriana.
Estando por perto, mas estimulando a autonomia
Uma opção para auxiliar essas pessoas no ambiente escolar é a contratação de uma acompanhante terapêutica para PCDs. A pedagoga Larissa Hissnauer é essa pessoa essencial para o desenvolvimento e o acolhimento da pequena Mariana Ös Ferlin, a Mari, que tem 11 anos. Larissa conversou com a gente para explicar um pouco do seu dia a dia e sobre como o trabalho de acompanhante terapêutica pode ser transformador para o desenvolvimento de uma PCD. Mari tem uma síndrome rara chamada síndrome de pitt-hopkins, conhecida pela sigla PTHS e caracterizada pela deficiência intelectual, dismorfismos faciais e alterações respiratórias.
A pedagoga Larissa Hissnauer
“Ela gosta de ser tratada como uma criança da idade dela, fazendo as atividades que as outras meninas da idade dela fazem. Gosta de realmente se sentir incluída”, reforça Larissa. “É claro que as atividades que nós damos são adaptadas a ela e às dificuldades dela, mas inclusão de verdade é isso: você precisa entender as demandas da PCD, mas não deixar de incluí-la no grupo”, comenta.
“Hoje, temos trabalhado muito na autonomia da Mari. Para mim, ela comer sozinha e no tempo dela, por exemplo, é mais importante que não se atrasar para as aulas. Eu corto tudo em pedaços pequenos, mas ela vê as outras crianças comendo sozinhas e também come, coisa que ela não faz em casa. Essa independência é importante. Ela vai ao banheiro sozinha e eu só vou lá para limpar. Essas pequenas vitórias são muito úteis na vida prática dela”, exemplifica Larissa. “Também estamos buscando autonomia no sentido dela ficar mais afastada de mim com as amigas, aprender a pedir ajuda delas também… Estou ali para dar todo o apoio que ela precisar, não posso fazê-la depender de mim”, relata a pedagoga.
Mariana Ös Ferlin, a Mari
“Uma sala de aula carrega muita demanda para uma só professora. São muitos alunos e fica impossível dar atenção especial a todos. A Mari é uma PCD que precisa de atenção o tempo todo, precisa de ajuda para entender o conteúdo e, se eu não estivesse ali, ela só estaria no canto, mas sem compreender direito o que está acontecendo. Às vezes, as pessoas não entendem o que ela diz e eu faço a ponte para dar início a uma conversa, sabe?”, continua Larissa, que é sobrinha de uma pessoa com síndrome de Down, e que defende que a exposição e o contato com PCDs seja um dos passos mais importantes para a inclusão.
Vânia e Adriana, da Inclub, também acreditam no poder da exposição. “Fomos no Beco do Batman (um passeio turístico em São Paulo) e as pessoas ficaram olhando, estranhando, porque não têm o costume de ver PCDs interagindo normalmente e comprando lembrancinhas em barracas”, diz Adriana. “Já passou da hora de normalizarmos PCDs em todos os ambientes”, alerta. Vânia reforça que todo mundo tende a ganhar com o contato com pessoas que têm algum tipo de deficiência. “Eu aprendo muito com eles. Muitos deles me ensinaram a deixar de ter vergonha de assumir as minhas dificuldades, me ensinaram a pedir ajuda e a encarar o mundo de uma forma diferente.
Por isso, o Fique Bem decidiu terminar essa reportagem compartilhando alguns perfis de PCDs nas redes sociais que podem te ajudar a se aproximar de novas realidades e, assim, aprender mais com quem tem dificuldades diferentes das suas. Afinal, todos nós temos dificuldades, não é verdade? O mundo só está, atualmente, mais adaptado àqueles que não têm deficiências.
Ivan Baron - Paralisia cerebral
Nathalia Santos - Deficiência visual
Dudu do Cavaco - Síndrome de Down
Marianna Wille - Deficiência física membros superiores
Lorena Eltz - Doença de Crohn
Lelê Martins - Deficiência física membros inferiores
Paula Pfeifer - Deficiência auditiva