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Com estresse de professores em alta, segurança psicológica passa a ser pauta urgente na escolas

Se a violência escolar voltou a ser assunto nos corredores das instituições de ensino, questionamos: quem tem cuidado daqueles que cuidam dos alunos?

Hora do Café

Edição N.º 28, Maio de 2023

Querido colega que trabalha com educação, se você não sente segurança ou disposição para ir trabalhar na escola todos os dias, saiba que você não está só. Um levantamento feito pelo instituto de pesquisa Ipec, encomendado por entidades como Todos Pela Educação, Itaú Social, Instituto Península e Profissão Docente, mostra que 71% dos professores brasileiros estão estressados. O levantamento foi realizado com 6.775 professores de escolas públicas (municipais e estaduais) de todo o país, entre julho e dezembro de 2022. Diante desse cenário, o tema violência escolar, tão presente nos últimos tempos, não ajuda a diminuir o estresse. Trata-se, sim, de um ingrediente a mais para a promoção do sofrimento. 


Para falar sobre esse assunto, trouxemos a doutora em Psicologia Ticiana Paiva, especialista no cuidado psicológico em situações de sofrimentos extremos. “Quando a gente fala em prevenção dos sofrimentos extremos, querendo ou não, a gente toca na questão da escola, que é o pilar de constituição do indivíduo. Se a gente tivesse um bom trabalho voltado à saúde mental desde dentro das escolas, com certeza, os números não seriam tão alarmantes quanto são na atualidade, especialmente relacionados à morte por suicídio”, diz ela.





“Falar sobre saúde mental na escola é algo que, de fato, não dá mais para adiar. O ponto central sobre o que aconteceu no último mês é o gatilho, porque nos leva à incerteza. Pensamos: ‘Eita! E se for na minha escola?’, ‘E se for aquele meu aluno?’, ‘Se for aquele que já me xingou?’. Parece que esses casos colocaram em evidência, para todo mundo que está em sala de aula, a possibilidade de sermos vítimas em algum momento”, afirma.


Certo, todos nós conhecemos esse sentimento. Contudo, aqui a gente não quer trabalhar em cima do medo. Como resolver, ou melhor, como amenizar esse estresse e insegurança, para que, agora que a pauta esfriou, possamos trilhar um caminho para a criação de um ambiente mais seguro e saudável nas escolas? 

Para Ticiana, assim como escrevemos no mês passado, o caminho está na prevenção. “As escolas precisam parar a rotina e desenvolver um sistema preventivo, que estabeleça uma cultura de cuidado e prevenção nas instituições. Quando falo sobre isso, obviamente, estou incluindo o professor nessa conta: ele está sobrecarregado, estressado, às vezes trabalha horas excedentes... Além de tudo, é um colaborador que não é visto”, reforça. 


Um olhar de RH sobre o professor como colaborador


Só a gente sabe o perrengue que passamos como educadores durante a pandemia, não é? Estávamos em um luto coletivo, vivendo tempos de muita incerteza e insegurança. Diante disso, me diga: você chegou a ser acolhido pela instituição em que você trabalha? Poucos de nós foram, de fato, ouvidos durante o isolamento social. Por outro lado, todos nós fomos orientados a ouvir e a acolher. A conta simplesmente não fecha.


“Nas escolas, faltam práticas de ‘apoio mútuo’, como a gente chama na Psicologia. Falta aos educadores se encontrarem, né? Se conectarem com o próprio corpo, com as pessoas, com os colegas”, afirma. Segundo Ticiana, a escuta deveria ser a primeira ação das escolas, uma ação que não depende da presença de profissionais da saúde mental. A partir desse primeiro passo, então, a coordenação pode orientar alguns dos professores a um tratamento ou a um cuidado mais específico com um profissional da saúde mental. “Reforço que a escola pode começar de forma simples”, diz ela.


Antigamente, quando pensávamos no departamento de Recursos Humanos (RH) de uma empresa, logo associávamos o setor aos processos burocráticos como folhas de pagamentos e contratação. Hoje, passou a ser também função do RH o cuidado com o bem-estar dos colaboradores. No entanto, como isso acontece nas escolas? Como é na sua escola?


“Uma questão muito importante que tem sido discutida atualmente nas empresas — mas que eu acho que era para estarmos discutindo também nas escolas — é a chamada ‘segurança psicológica’, que diz assim: nós precisamos de vínculo, de pertencimento, de empatia, precisamos olhar cada um na sua singularidade”, comenta a psicóloga. Até temos algumas escolas com esse olhar sobre o aluno, mas e sobre os colaboradores? Os fundamentos da segurança psicológica são a inclusão, a responsabilidade coletiva e a comunicação. Será que isso faria diferença na sua escola? 


“Tanto na Psicologia, quanto na Educação, a fonte de trabalho somos nós. Os instrumentos somos nós. Então, como a gente vai ‘honrar a fonte’, como eu gosto de trazer? Temos que honrar a fonte. São profissões que cuidam, né? Essas profissões padecem porque o cuidar tem um custo. Muitas vezes, alguns de nós passa a vida toda dedicada ao outro, fazendo pelo outro e nos esquecemos de nós mesmos”, encerra a Ticiana Paiva. E aqui deixamos o convite para que você, professor, leve essa reflexão para sua escola. Se o nosso problema é coletivo, não vai ser resolvido de forma individual. É necessário envolver o todo, as administrações e a gestão nessa conversa.


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