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O que Bitita tem a ver com o ensino de português e o acolhimento de migrantes internacionais em SP?

Autora que é aclamada por obra sobre pessoas marginalizadas pela sociedade dá nome a escola com projeto gratuito voltado a famílias estrangeiras no Brasil

Diversidades

Edição N.º 30, Julho de 2023

Na nossa Resenha Literária deste mês, falamos sobre a importância que existe em sermos educadores antirracistas e em termos referências literárias negras. Neste contexto, perguntamos: você sabe quem foi Carolina Maria de Jesus? Ela foi uma escritora brasileira, autora do aclamado livro “Quarto de Despejo”. Sua obra retratou com coragem e sensibilidade a realidade da favela, contribuindo para dar voz a pessoas marginalizadas pela sociedade e para revelar as desigualdades sociais. 


Na infância, essa autora recebeu o carinhoso apelido de Bitita, e hoje, por uma conquista recente da comunidade escolar, uma Emef localizada no bairro do Canindé em São Paulo, região onde morava Carolina Maria de Jesus, é oficialmente chamada de Espaço de Bitita. Não por coincidência, é lá onde acontece uma ação de acolhimento e empoderamento que diminui as desigualdades sociais entre pessoas nascidas no Brasil e migrantes internacionais que vivem deste lado da fronteira nacional. 


Um trabalho voluntário necessário


“As pessoas que se mudam para o Brasil não estão aqui tirando o lugar ou o trabalho de ninguém. Eles estão vindo porque as fronteiras, hoje em dia, são muito sutis. A gente não pode mais pensar nas fronteiras de território como antigamente. Tudo mudou. No entanto, ainda há muita xenofobia, desentendimento e desconhecimento sobre essas pessoas. Por isso, acredito que seja importante sensibilizar e acolhê-los”, reforça Sulima Pogrebinschi, coordenadora do projeto Português para Migrantes Internacionais da Emef Espaço de Bitita. 


Sulima Pogrebinschi em ação.


Aposentada e vinda de uma carreira como alfabetizadora de crianças, Sulima faz parte de um grupo de 30 voluntários que trabalha presencialmente e remotamente no projeto que teve início em 2015. Diante de uma alta demanda local, o grupo oferece aulas gratuitas de português para estrangeiros, inspiradas no material didático produzido pelo Centro de Línguas da Universidade de São Paulo para o programa Portas Abertas, promovido pela prefeitura de São Paulo.


“Enquanto o Portas Abertas conta com professores da rede municipal, o nosso projeto é construído também por voluntários, que geralmente não são da área da educação”, comenta Sulima. “Nós não trabalhamos com gramática, e a escrita fica em segundo plano. A gente acredita que o português é fundamental para que essas pessoas possam se integrar na comunidade e ter acesso aos direitos básicos, de alimentação, saúde, moradia, trabalho e educação”, continua. “Queremos que essas pessoas possam se comunicar, pegar um transporte público, por isso as ajudamos a ter acesso ao Bilhete Único [bilhete de transporte coletivo de São Paulo] que, pelo programa, elas têm direito como estudantes, oferecemos jantar e também cuidamos das suas crianças, para que o aprendizado seja feito com segurança e tranquilidade”, completa.


As crianças, filhas dessas pessoas, ficam em uma sala de recreação com voluntários também, enquanto os pais estão tendo aula. As aulas, de uma hora de duração, acontecem duas vezes por semana. No primeiro semestre de 2023, 150 alunos participaram do projeto. Entre as nacionalidades assistidas há nigerianos, angolanos, afegãos, libaneses, sírios, marroquinos, venezuelanos, bolivianos e peruanos. Já participaram do projeto também famílias do Mianmar e da África do Sul. “É maravilhoso! A gente tem uma troca cultural e afetiva muito grande. Eu sei o nome de todos e eles nos procuram, conversam sobre como foi o dia”, comenta Sulima. “O projeto cresceu muito, pois agora há a possibilidade de darmos aulas online. A gente tem professores também de vários lugares do Brasil”. 


Todos os voluntários do projeto passam por uma formação e o processo seletivo para a próxima turma de voluntários está aberto! Você pode se inscrever por aqui. Aliás, se você conhecer alguma família de migrantes internacionais, fique à vontade para convidá-la para participar do projeto, que sempre recebe alunos novos. 


Equipe de direção, professores e voluntários do

Projeto de Português para Migrantes do Espaço de Bitita.


Falta de políticas públicas e de suporte ao professor


Você, inclusive, professor, já se deparou com alguém de outro país na sua sala de aula? A gente sabe que essas pessoas muitas vezes estão assistindo a aulas sem entender uma palavra do que está sendo dito em português e, por mais que tentemos, não é possível ministrar uma aula em três línguas diferentes, para incluir todas essas pessoas e para que elas se sintam de fato acolhidas. Como resolver essa equação?


“Faltam políticas públicas. Temos uma legislação que ajuda muito, eles estão recebendo vistos humanitários, mas quando chegam aqui no Brasil falta a sequência. Eles chegam no aeroporto e não são acolhidos. Então, eu acredito que a gente tem o dever de cuidar dessas pessoas. A gente precisa de um suporte, talvez suplentes, materiais, para os próprios professores, para que eles possam usar o português para acolher as crianças dessas famílias em suas salas de aula”, reforça Sulima. 


O primeiro passo para caminharmos em direção ao acolhimento talvez seja a conscientização coletiva de que ajudar essas pessoas é uma questão brasileira, ou seja, o problema é de todos nós. Não há como resolvermos um problema coletivo com estratégias individuais, então a busca por políticas públicas precisa ser reforçada. Por fim, não por coincidência, podemos lembrar que os problemas de Bitita, a “escritora favelada” que hoje dá nome à escola, também sempre foram de toda a sociedade. Você está com a gente nessa?




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