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Se a escola é terreno fértil para a transformação da realidade social, como ser um educador antirracista?

Obra de Bárbara Carine não propõe receitas, mas indica vias possíveis para combater o racismo; confira a resenha escrita pela professora Grasielly Lopes

Resenha Literária

Edição N.º 30, Julho de 2023

A Revista Fique Bem está iniciando uma nova fase e, como sempre, sua participação nesse momento é primordial. Afinal, somos um projeto idealizado e realizado por um coletivo, com professores e pessoas engajadas com a educação, que está sempre se reinventando e disposto a mudar para melhor atender, acolher e movimentar a nossa rede de educadores.


Quem lê nossa revista há mais tempo talvez se lembre dessa editoria. Na Resenha Literária, um espaço que surgiu por sugestão de uma professora amiga, falamos sobre obras que sejam de interesse público, que possam mudar a vida de professores, que possam ser usadas em sala de aula, que inspirem educadores ou que tenham sido elaboradas por professores. 


Neste mês, recebemos uma resenha da professora Grasielly Lopes, interessada em colaborar com a nossa revista. Neste texto, a educadora compartilha a sua leitura do livro “Como ser um educador antirracista”. Você já leu essa obra? Aproveite para nos contar o que achou dessa leitura no nosso Instagram.


Quer ser o próximo a publicar sua resenha aqui?


Escreva para fiquebem@gaiamais.org. Um beijo e boa leitura!


Resenha de Como ser um educador antirracista — por Grasielly Lopes





Desde 2020, por meio de um projeto integrado chamado UBUNTU, desenvolvido no Ensino Médio do CE SESI 087-Santos, temos discutido os estereótipos relacionados ao Continente Africano e seus reflexos para a existência e persistência do racismo estrutural em nosso país. Estudamos, dentre algumas referências literárias, obras de Júlio Emílio Braz, Conceição Evaristo, Paulina Chiziane e Chimamanda Ngozi Adichie, e desde então nos propusemos a aprofundar nossos conhecimentos, para além do discurso eurocêntrico, a fim de uma educação antirracista a partir das potencialidades e referências negras do Brasil e da África.


Dentre tantas possibilidades, por meio de um desses caminhos que as redes nos levam, cheguei à página da Bárbara Carine, a incrível intelectual diferentona. Passei a  acompanhá-la e ouvi-la assiduamente pela potência de suas palavras, clareza sem melindres e trajetória importantíssima, além da beleza de seu sotaque. Uma educadora que, para ser fiel a essa potência toda, idealizou e fez acontecer a escola Maria Felipa, primeira Escola Afro-brasileira no país.


Descrevo tudo isso para chegar ao livro que li recentemente de autoria da Bárbara e que foi de extrema valia para muitas reflexões e profundas compreensões. Um livro sem melindres, como a autora, e que descortina vários conceitos e percursos históricos dolorosos, por vezes já ditos e lidos aqui ou ali, mas que no livro tomam forma e sequência para promover de fato uma análise e uma ação para a educação antirracista.


Bárbara Carine e o livro Como ser um educador antirracista.


Refiro-me ao livro Como ser um educador antirracista; que indico aqui como leitura essencial para educadoras e educadores e para a sociedade, pensando no provérbio africano que diz que “é preciso uma aldeia para se educar uma criança”. Um livro que busca ser conciso nas palavras e contundente na proposta. Por meio dele é possível adentrarmos, a partir de referências importantes, a realidade que aponta para o fato que “a dissimulação do racismo dificulta a percepção cotidiana desse gigantesco mal social” (p.50).


Desse modo, a autora propõe um percurso de leitura didático, sem perder de vista responsabilidades a partir do mito da democracia racial e o compromisso da luta antirracista frente à branquitude. Nesse sentido, vale destacar:


Por mais antirracista que a pessoa branca seja, ela se beneficia do racismo, mesmo sem querer. E é disso que todas as pessoas brancas que trabalham com educação precisam se conscientizar, no mínimo. Nesse sentido, pautamos o fim da branquitude e, reforço, isso não versa sobre o extermínio de pessoas brancas, mas sobre o fim do sistema social que as privilegia. (p.56) Somado a isso, a obra nos aponta também referências legais importantes que são garantia para a prática de valorização da cultura afro-brasileira, como a lei 10.639 de 2003, por exemplo, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira dentro das disciplinas que já fazem parte das grades curriculares dos ensinos fundamental e médio. Embora tal ação não seja novidade, deve ocorrer não como obrigatoriedade, como afirma a autora, mas como consciência de reparação histórica. Portanto, a lei promove condições para que o debate aconteça e a proposta não seja facultativa.


O percurso antirracista proposto por Bárbara é de muita reflexão e passa pela denúncia do racismo para destruí-lo e por um projeto pedagógico baseado em potências da cultura africana, afrodiaspórica e indígena. Trata-se de um livro que não propõe receitas, mas indica vias possíveis a partir de análises, exemplos e práticas reais.


A ideia não é apresentar uma fórmula para a prática antirracista, mas mostrar que cada educadora e educador precisa urgentemente pensar a sua, pois a escola é terreno fértil para a transformação da realidade social e precisa ser canal para combater opressões. Assim, o livro é um convite para uma ação que não aceita recusa: uma educação para as relações étnico-raciais a partir de um olhar crítico sobre a branquitude e um olhar antirracista de natureza prática.


Para a autora, “diversidade não se constrói, se celebra”. Celebremos também, portanto, Bárbara Carine por produzir esse livro e tantos outros materiais importantíssimos para uma pedagogia antirracista e para o letramento racial. E como podemos celebrá-la? Seguindo-a nas redes, respeitando a propriedade intelectual de suas obras e pagando por elas, fortalecendo intelectualidades negras e buscando uma transformação real todos os dias. Que isso seja um compromisso diário! Bora?


Referências


ALMEIDA, Neide A. de. Letramento racial: um desafio para todos nós. Portal Geledés. 28/10/2017. Disponível em: https://www.geledes.org.br/letramento-racial-um-desafio-para-todos-nos-por-neide-de-almeida/ 


PINHEIRO, Bárbara Carine Soares. Como ser um educador antirracista. SãoPaulo: Planeta do Brasil, 2023.


PINHEIRO, Bárbara Carine Soares. História preta das coisas: 50 invençõescientífico-tecnológicas de pessoas negras. São Paulo: Livraria da Física, 2021.


SALES, Lucas. ‘Racismo é estrutura que aprisiona pessoas negras’, dizBárbara Carine. Portal Geledés. 05/06/2023. Disponível em:https://www.geledes.org.br/racismo-e-estrutura-que-aprisiona-pessoas-negras-diz-barbara-carine/



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