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EDITORIAL

Rir é um ato de resistência. Se, nos últimos anos, essa frase já fazia sentido, imagine agora, diante de tudo o que vem acontecendo no Brasil e no mundo? Nós, professores, sabemos que não tem como fazer graça a todo o momento e nem o queremos. Muitas vezes, é preciso falar sério. Contudo, sabemos que, em certas situações, o humor salva uma explicação, salva uma aula, salva uma situação, nos salva — de corpo e alma.

Neste mês, o Fique Bem foi um pouco além. Ao todo, tivemos quatro lives, uma por semana, para tratar de assuntos muito diferentes, mas que têm conexão com os seres diversos e complexos que somos. Começamos rindo, falando de circo e trazendo um pouco do lúdico para os nossos dias. Nos encontramos com dois palhaços que nos mostraram o quanto dá para levar a vida com leveza. E que delícia que foi essa conversa!

Conversar, em geral, é muito bom e rir também. Mas é sempre melhor quando temos pessoas queridas alinhadas com a nossa conversa e rindo conosco — não da gente. Para isso, tivemos uma segunda live, voltada à Comunicação Não-Violenta, em que conversamos com uma super especialista no assunto. Nela, entendemos um pouco melhor como as palavras podem, sim, ferir. Mas também podem curar.

Falando em violência, o papo ficou ainda mais sério na terceira semana do mês, quando trouxemos uma escritora, jornalista (e professora!) para conversar sobre o papel da escola na luta contra o abuso sexual da criança e do adolescente. Afinal, você saberia o que fazer, professor, se soubesse que algum dos seus alunos passa por uma violência desse tipo?

Para finalizar o mês, depois de tanta variedade, voltamos nossas atenções ao professor, aquele que precisa flutuar entre tantas atribuições, tantos perfis e tantas facetas. Só é possível ser complexo e pleno com organização e uma boa gestão do tempo faz toda a diferença. Falamos, na nossa última live, com um psicólogo que estuda a relação do homem com o tempo — e estamos cheios de dicas imperdíveis!

Além disso tudo, claro que a nossa revista traz ainda muito conteúdo exclusivo, com os nossos colunistas que estão cada vez mais empenhados em dialogar com nós, professores. Que a sua leitura seja prazerosa como foi a nossa escrita e que, com tempo, humor, responsabilidade e empatia, possamos estreitar ainda mais os nossos vínculos nessa rede tão querida.

 

Um beijo,

 

Professora Fique Bem

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CIRCO

Lições que o Circo pode trazer para a escola

Você sabe por que é bom comer milho? Porque ele “milhora” a vida! Brincadeiras à parte, são piadas como essas, inocentes e simples, que fazem a gente dar aquela risada sincera, quebrar a monotonia e trazer um respiro para momentos da vida que carecem de leveza. Provavelmente, o humor puro do circo já te tocou alguma vez na vida, mesmo que há muitos anos.

LIVE: CIRCO NA ESCOLA

Os palhaços transformam qualquer situação ruim em riso. São figuras preparadas para entreter. Por vezes, se sentem sem chão ao não escutarem uma risada, como se todo o planejamento e disciplina seguidos até a hora do espetáculo fossem em vão. Contudo, no calor do momento, o palhaço se reinventa, foge do script, adapta o discurso e surge com algo novo que faça a diferença. Sentiu alguma semelhança com a nossa profissão, professor?

A nossa primeira live do mês foi com dois convidados icônicos. Recebemos o Wellington Nogueira, ator, palhaço e empreendedor social, e Sandro Fontes, também palhaço e artista circense. Wellington é criador da Doutores da Alegria e Sandro, com seu palhaço Sandoval, foi seu aluno, na primeira turma de formação da Doutores. Hoje, o antigo aluno repassa o aprendizado, multiplicando o riso por aí, atuando também como formador de palhaços.

“O circo tem uma disciplina muito grande e isso eu levei para a vida”, comenta Sandro. “É quase como as artes marciais, é preciso muito rigor”, completa. Para Wellington, a escola e o circo se assemelham na medida em que, em ambos os ambientes, é necessária a cooperação. “Você faz de tudo um pouco, o circo é uma escola para a vida”, aponta.

Na conversa de uma hora, os artistas falaram um pouco sobre suas experiências como formadores, explicaram conceitos circenses e contaram capítulos de suas vidas que contribuíram para que eles crescessem e amadurecessem na profissão.

Além disso, Sandro se transformou em frente às câmeras, dando espaço para um novo convidado: Sandoval, o palhaço. Sua caracterização em tempo real, com objetos de fantasia e maquiagem e durante uma fala de Wellington, surpreendeu a audiência. Para ser sincera, não ficou clara a fronteira entre Sandro e Sandoval — o que deixou a experiência ainda mais mágica. E, com a presença do personagem, ambos os palhaços se deixaram levar pelo lúdico, fazendo uma série de truques e graças improvisadas para nossos professores.

 

Se você não assistiu esse encontro de fazer doer a barriga de dar risada, faça uma pipoca, chame a criançada e dê play no vídeo completo da nossa live. A gente sabe que os tempos estão mais para a luta que para a diversão, mas não vamos esquecer que rir faz bem para o corpo, para a mente e nos ajuda a organizar os pensamentos. Rir é um ato de resistência. E resistimos!

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Como revolucionar nossas relações com a prática da Comunicação Não-Violenta

SAÚDE MENTAL

Vem cá, professor. Você já ouviu que homem não chora ou que mulher é delicada? Já reproduziu frases como “vocês nunca se comportam na minha aula” ou “eu sempre tenho que repetir isso”? E, por fim, já teve que ouvir alunos rotulando uns aos outros? Sabe o que todas essas situações têm em comum? Elas se encaixam perfeitamente no tema da nossa segunda live do mês, o nosso encontro sobre linguagem estática.

Esse termo é bem específico e pode ser que você nunca tenha se deparado com ele, mas os exemplos são muito comuns, não é mesmo? A linguagem estática, para quem estuda Comunicação Não-Violenta (CNV), é aquela que julga, que condena ou que avalia, sem abarcar a complexidade dos seres humanos envolvidos na situação.

LIVE: SAINDO DA LINGUAGEM ESTÁTICA

“Quando a gente fala em uma linguagem estática, a gente está falando desse termo parado mesmo, é a ‘linguagem parada’. São os rótulos que a gente usa em um diálogo, os julgamentos. Na verdade, isso está ligado à nossa cultura, a gente aprendeu a falar assim. É uma violência que existe, de uma forma muito sutil. A gente cresceu convivendo com aquilo e a gente nem percebe que é uma violência”, explica a Débora Gaudêncio, nossa convidada da semana.

Estrela da nossa live sobre CNV, Débora é consultora no assunto desde 2013 e certificada pelo Center for NonViolent Communication, além de ser advogada, mediadora e pós-graduanda em Neurociência e Comportamento pela PUC-RS. Professora Convidada da Fundação Dom Cabral, Débora é ainda co-fundadora da Eight Diálogos Transformadores.

O papo com essa super especialista foi de tirar o fôlego. Durante a conversa, Débora explicou que o grande perigo da linguagem estática é que, rotulando uns aos outros, a gente não enxerga o ser humano por trás dos nossos julgamentos, o que cria uma forte desconexão e isso é uma violência sutil.

“Não combina falar com um ser complexo, a partir de uma linguagem estática, é preciso uma linguagem dinâmica”, aponta Débora. “O que todo o ser humano quer é ser visto, compreendido. Ninguém quer ser levado para o lugar do ‘não existo’”, completa.

Ao contrário do que muita gente pensa, a CNV não é um conjunto de técnicas. Trata-se, na verdade, de uma lente de contato para cuidar das relações. “Seguir a CNV não é ser boazinha, fofinha. A ideia aqui é ser autêntica e cuidar das relações. Cuidar de mim e também pensar no outro”, reforça a especialista. “O que a CNV sugere, antes de tudo, é que a gente tenha alguma prática para cuidar da gente. É a mesma metáfora da máscara no avião”, aponta.

Entre muitos outros aprendizados e dicas, essa live vai te ensinar a diferença entre violência explícita e violência sutil, o que muda quando paramos de focar nas nossas estratégias e focamos nas nossas necessidades, o que, de fato, é uma necessidade, o que é ser transparente, a importância de se distanciar durante uma discussão, o que significa a saudação africana “sawubona” e como Paulo Freire tem tudo a ver com esse assunto. Ufa! Está preparado?

Aliás, se quiser dicas de leitura sobre o assunto, o Eduardo Pacífico, nosso mediador, e a Débora Gaudêncio apontaram ao menos cinco livros para quem for se aprofundar: “A linguagem da paz em um mundo de conflitos”, “Vivendo a comunicação não-violenta”, “Juntos podemos resolver essa briga”, “O surpreendente propósito da raiva” e “Criar filhos compassivamente”, todos do autor Marshall Rosenberg.

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A escola na prevenção e enfrentamento do Abuso Sexual infantojuvenil

ABUSO SEXUAL

Existem assuntos difíceis de serem conversados e nós, como professores, bem sabemos disso. Contudo, se não falamos sobre o problema, se não refletimos sobre qual é o nosso papel no caminho da resolução e se nos omitimos, estamos assumindo o risco e, por conta disso, nos colocando a favor dos opressores. Dito isso, entramos no tema da nossa terceira live do mês: o abuso sexual de crianças e adolescentes. Afinal, qual é o papel da escola nessa luta?

Antes de começar a falar sobre o encontro, precisamos ser claros: não é função do professor assumir a posição de investigador, arriscar seu trabalho ou interrogar alunos e pais a respeito do que acontece fora da sala de aula. “Em nenhum momento, a gente vai estar fazendo o papel de policial. Não somos preparados para isso. Esse tipo de abordagem é só para a televisão”, reforça a nossa convidada. “Não dê uma de investigador! Existe uma rede de proteção à criança e ao adolescente e cada um de nós vai assumir um papel nessa rede”, conclui.

Ela é professora e jornalista. Tem mestrado em Comunicação com ênfase na abordagem da mídia sobre o abuso sexual de crianças e adolescentes. Aldenora Moraes, nossa convidada, trabalha na assessoria de comunicação da Secretaria de Educação do Distrito Federal e apresenta o podcast Educa DF da rede pública de ensino. Mas, além disso tudo, ela é autora do livro “Tudo o que você precisa saber para prevenir e enfrentar o abuso sexual de crianças e adolescentes”. Foi uma honra recebê-la no Fique Bem e poder aprender tanto com ela.

“O abuso sexual é quando um adulto, ou mesmo um adolescente, submete uma criança ou um adolescente a práticas sexuais. Essas práticas sexuais não necessariamente precisam ter contato físico, ou seja, não é necessária a penetração vaginal, anal ou o que quer que seja. Mesmo quando um adulto ou um adolescente mostra um vídeo pornográfico, pelo WhatsApp, para uma criança, essa pessoa já está cometendo um abuso sexual e isso já é um crime”, esclarece a professora.

Se não devemos nos basear naquele filme ou série de TV que mostra um professor extremamente envolvido na investigação de um caso de abuso, o que, então, espera-se de nós quando há a suspeita ou a confirmação de um crime como esse envolvendo os nossos alunos? A resposta é direta: devemos, por lei, nos manifestar, reportar a situação à coordenação e à direção da escola, que, por sua vez, entrarão em contato com o Conselho Tutelar ou outro órgão responsável e preparado para lidar com o caso.

Segundo Aldenora, o professor nunca deve chamar o pai ou a mãe da criança para conversar sobre esse assunto em caso de suspeita. Afinal, muitas vezes, o agressor é uma pessoa próxima da criança, como o próprio pai, a mãe ou algum outro parente. Nesses casos, um contato direto do professor com os pais pode resultar em uma piora da situação para a criança, um agravo da violência ou ainda a fuga, com pais que simplesmente mudam de escola, de município e perpetuam o crime.

Aldenora reforça, contudo, que o professor precisa estar preparado para lidar com situações como essas, saber como reagir, a quem recorrer e não se desesperar ou temer acusar alguém sem provas. “A escola é um espaço privilegiado. Muitas vezes, é naquele ambiente que a criança vai se sentir confiante para contar algo que está acontecendo na casa dela”, afirma.

“É nossa função relatar a situação à direção da escola. Feito isso, o trabalho do professor foi realizado. E não devemos temer fazer relatos quando ainda estamos apenas no campo da suspeita. Afinal, na maioria das vezes, vai haver investigação. Mesmo em casos de suspeita, é necessário denunciar à direção da escola e, assim, os responsáveis por investigações vão dar andamento ao caso”, reafirma.

 

Saiba tudo sobre o assunto assistindo ao vídeo completo da nossa live. Mais do que nunca, durante a pandemia, a gente viu a importância da escola na prevenção e na denúncia de casos de abuso. Que estejamos preparados — e não pressionados — para lidar com situações como essas. Afinal, se fizemos nossa parte, mesmo que pareça pouco, estaremos salvando vidas e infâncias.

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A importância da Gestão do Tempo na vida do professor moderno

GESTÃO DOTEMPO

Afinal, 24 horas é muito ou é pouco para o tamanho do seu dia? Fizemos essa pergunta no nosso Instagram e a maioria das pessoas disse que, se pudesse, aumentaria o próprio dia em algumas horas. Você concorda com esse tipo de pensamento? Se a sua resposta for sim, talvez você esteja precisando alinhar um pouco mais a forma como você tem passado os seus dias e gerindo o seu tempo.

Na quarta e última live desse mês no nosso Youtube, falamos com o psicólogo e hipnólogo clínico Eduardo Luís de Almeida. Ele é pai da Helena e do Joaquim, tem feito malabarismo para dar conta de todas as suas atribuições de profissional e pai, e agora é professor de um curso de Gestão do Tempo, assunto sobre o qual tem estudado voluntariamente.

No nosso encontro, Eduardo contou como a relação entre o homem e o tempo é histórica e desmistificou uma crença comum: não, o tempo não está mais escasso com a tecnologia. “A nossa relação com o tempo sempre foi de escassez para aqueles que não fazem um bom uso dele”, afirma. “Quando me perguntam como a gente pode ter mais tempo, eu sempre rebato: tempo para o quê? Porque é importante entender o que você gostaria de fazer se tivesse mais tempo, saber priorizar as atividades e fazer bom uso do tempo que nós já temos”, completa.

Eduardo ainda reforçou que, embora muitas pessoas subestimem, a gestão do tempo também passa pelo famoso tripé da atividade física regular — ao menos três vezes por semana — do sono de qualidade e da alimentação saudável. Mas, se fizermos isso, não estaríamos perdendo ainda mais tempo? De acordo com o nosso convidado — e nós concordamos — não seria perda de tempo, mas investimento. “A gente perde tempo com algumas coisas, quando poderíamos estar investindo tempo em outras”, afirma. “A tecnologia não é boa e nem ruim. Ela é como a energia atômica. O problema é a função que a gente dá pra ela, que pode ser boa ou ruim”, explica.

Para ajudar os professores, nosso convidado apresentou algumas técnicas de gestão de tempo. Uma delas foi o Método Pomodoro, famosa técnica que consiste na utilização de um cronômetro para dividir o trabalho em períodos de 25 minutos, separados por breves intervalos de 5 minutos. A ideia é que, durante os períodos de 25 minutos (que podem ser adaptados, chegando a até 50 minutos), tenhamos atenção intensa na nossa atividade. É importante quebrar o fluxo porque o cérebro humano não foi criado para se concentrar por mais de uma hora sem se distrair.

Outras técnicas apontadas pelo nosso convidado foram o uso de post-its para anotar pequenas tarefas do dia a dia sem interromper o fluxo de trabalho, o cuidado com a luz do celular pela noite e a eliminação das notificações do celular durante o dia. Por fim, houve ainda a dica de usar a própria procrastinação para ajudar no processo de não procrastinar. Ficou confuso? Assista à nossa live e entenda o conceito por trás do desafio!

Lembre-se que mudança de hábitos leva tempo, não se autoflagele e respeite os limites do seu corpo. Gestão do tempo é menos complicado do que parece quando há clareza sobre o que nos motiva e nos orienta. Afinal, como Eduardo disse ao fim do encontro, mais importante que a velocidade em que caminhamos, é a direção que seguimos.

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Colunas

FEMINISMO

“Não trabalho educação antissexista porque isso vai tirar tempo da minha aula para dar o conteúdo”

Feminismo
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Gina Vieira Pontes

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Ceilandense, professora da educação básica no DF há 29 anos. Mestra em Linguística, especialista em Desenvolvimento Humano, Educação e Inclusão Escolar e em  EAD. Autora do Projeto Mulheres Inspiradoras.

Desde que comecei a ministrar palestras e a dar formações sobre a promoção de uma agenda educacional antissexista, ouço a afirmação de que trabalhar gênero e raça, na escola, significa tirar tempo importante que deveria ser usado para ensinar os conteúdos do currículo. Normalmente esta afirmação vem de profissionais da educação bem intencionados, comprometidos com a questão da aprendizagem, mas que ainda mantém as suas concepções pedagógicas vinculadas às teorias tradicionais do currículo ou que acreditam na falsa e persistente dicotomia: “ou eu ensino os conteúdos ou eu formo para a cidadania, não há tempo suficiente para fazer as duas coisas”.

Antes de tudo é preciso dizer que, como abordamos em parte na nossa primeira  e segunda colunas,  a escola trabalha gênero o tempo todo- em todas as práticas da escola há tecnologias de gênero- na separação de brinquedo de menino e menina, na oferta de futebol para meninos e de balé para meninas quando se promovem atividades curriculares complementares, na omissão da escola frente aos relatos de assédio reportados pelas meninas, na utilização de material didático que apaga a presença das mulheres da história. Então, ainda que a escola não tenha consciência disso, ela é parte daquilo que chamamos de machismo e racismo estrutural.

O segundo ponto que precisamos mencionar é que quando defendemos a promoção de uma agenda educacional antissexista e antirracista não estamos falando em abandonar o compromisso com a aprendizagem. Pelo contrário, estamos anunciando um compromisso ainda maior e mais qualificado com a garantia do direito à aprendizagem e ao desenvolvimento integral dos estudantes. Estamos recusando uma educação instrucionista e bancária para aderir a uma educação que ofereça condições de aprendizagens significativas. Paulo Freire, autor que formula o conceito de “Educação Bancária”, destaca que esta concepção de educação parte da crença de que educar é reduzir o estudante a ouvinte, expectador do professor, a quem a margem de ação que é dada é decorar, memorizar conteúdos, guardar informações.  Na perspectiva da Educação Bancária “Não pode haver conhecimento pois os educandos não são chamados a conhecer, mas a memorizar o conteúdo narrado pelo professor...” (Freire, 2017, p. 97).

O que buscamos com a promoção de uma agenda educacional antissexista e antirracista é o que está anunciado naquilo que Freire designa como educação libertária ou emancipadora, a partir da qual os estudantes não são tratados como recipientes dóceis de depósitos, nos quais os professores e professoras depositam ou transferem informações, mas investigadores críticos, “em diálogo com o educador, investigador crítico, também”. (Freire, 2017, p.97). Se queremos uma educação que seja capaz de formar pessoas que consigam pensar criticamente a realidade em que vivem, precisamos superar a falsa dicotomia de que abordar temas relacionados aos direitos humanos, aos valores plurais é perda de tempo e conflita com ensinar os conteúdos.

Quando menciono que aderir a uma agenda educacional antissexista e antirracista tornará a aprendizagem mais significativa e os processos pedagógicos mais qualificados, as pessoas me perguntam: “E, como é possível fazer isso? Como ensinar os conteúdos e, além disso, promover construção do pensamento crítico, possibilidades de desenvolvimento integral? Este será o assunto da nossa próxima coluna.

A propósito, por falar em rechaçar a Educação Bancária e abraçar uma proposta pedagógica orientada pelo diálogo, contem-nos, na sessão de comentários, o que acharam do texto e que perguntas têm sobre o que conversamos aqui. Vai ser um prazer dialogar com vocês! Até a próxima!

RACISMO

O genocídio da infância negra brasileira

Racismo
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Lorena Bárbara Santos Costa

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Professora da rede pública municipal dos municípios de Salvador e Lauro de Freitas (BA). Pedagoga pela UFOP e Pós-graduada em Psicopedagogia e em Pobreza e Desigualdade Social. Mestranda em Educação de Jovens e Adultos- UNEB.

A infância é uma das etapas mais lindas da vida e muito importante. É nessa fase que as crianças aprendem sobre o mundo e como interagir com ele. Também é nessa fase que elas gostam de brincar uma com as outras, correr, pular, comer guloseimas e fazer artes. A infância é a fase da magia, das descobertas, de ser feliz.

No Brasil, é cada vez maior o número de violência contra as crianças e no caso das crianças negras, tem sido uma constante as mortes por balas perdidas. Ser criança negra no Brasil, significa viver sob constante vulnerabilidade. É não ter acesso a educação e a saúde de qualidade, é não poder desfrutar de momentos de lazer inclusive na própria comunidade com segurança.

Segundo a UNICEF, baseada em dados do DATASUS (2018), estima-se que a cada hora morre alguém entre 10 e 19 anos assassinado no país e quase todos são do sexo masculino, negros e moradores de favela/periferia. Os dados dialogam com o estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2020, que informa que a cada 100 mil pessoas, a taxa de mortalidade entre a juventude preta chega em média a 86,34, enquanto entre os brancos essa taxa é de 31,89. A pesquisa aponta ainda que a partir dos 15 anos, um jovem negro no Brasil tem três vezes mais chance de morrer assassinado do que um jovem branco.

O racismo estrutural em nossa sociedade mata todos os dias, interrompe sonhos, retira direitos inclusive daqueles que nem nasceram, como é o caso das mães negras, vítimas de bala perdida em suposto confronto policial, que têm suas vidas ceifadas carregando no ventre seus filhos.

Em 2020, o Estatuto da Criança e do Adolescente completou 30 anos e nele em seu artigo 7º, é assegurado que a criança e o adolescente tenham direito a proteção, à vida e a saúde, mediante a efetivação de políticas públicas.

Apesar de ser garantido o direito à vida no documento, o Estado brasileiro tem negado inclusive as crianças negras o direito de nascerem. A segurança pública não existe nas favelas e comunidades, e a polícia que deveria garantir as vidas nesses territórios tem autorização para matar.

Todos os dias o Estado Brasileiro tem sido negligente com os direitos das crianças e jovens negros. O Brasil é o país que mais mata criança no mundo, segundo a UNICEF. Sendo 75% de 0 a 19 anos. Em média morrem 13 crianças e adolescentes por dia de forma violenta no país.

A expressão “bala perdida”, é naturalizada para justificar o extermínio das crianças e jovens negros, assegurando o projeto da necropolítica em vigor e ao reforçar que as crianças e jovens negros morrem por bala perdida, o Estado lava as suas mãos de sangue e culpabiliza a população por viverem em locais em que não há acesso as políticas públicas e o índice de violência é altíssimo.

Até quando os nossos corpos pretos serão o endereço das balas perdidas da polícia?

Não podemos naturalizar o genocídio da infância e juventude negra. Precisamos nos indignar, cobrar dos poderes públicos que a justiça seja feita e os responsabilizados condenados, afinal, como diz um provérbio africano: “É preciso uma aldeia inteira para cuidar de uma criança”, ou seja, é dever de toda sociedade proteger as crianças negras brasileiras.

Referências

MBEMBE, Achille. Necropolítica. 3. ed. São Paulo: n-1 edições, 2018. 

MENA, Fernanda. O fracasso de um modelo violento e ineficaz de polícia. In: KUCINSKI, Bernardo et al. Bala Perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo: Editora Boitempo, 2015.

NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro, processo de um racismo mascarado. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978.

PEDAGOGIA DO ENCANTO

Professora, pode ser uma hipótese?

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Flávia Pereira Lima

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Formada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Viçosa e doutora em Recursos Naturais do Cerrado pela Universidade Estadual de Goiás. É professora no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás. Seu maior desejo: que suas alunas e seus alunos compreendam a beleza de ler e explicar o mundo por meio do conhecimento científico.

Pergunta e hipótese têm papel central no ensino por investigação. Se a pergunta é operacionaliza a curiosidade, a hipótese concretiza o conhecimento prévio. Mas a hipótese em sala de aula vai além: ela descontrói a ideia do erro e potencializa o respeito.

Os dicionários apresentam a hipótese como uma suposição que se faz sobre algo, que pode ser verdadeiro ou falso. Na perspectiva acadêmica, a hipótese é uma resposta provisória a uma pergunta que ainda não foi testada, elaborada a partir de teorias científicas. E na escola? Como uma etapa do ciclo investigativo, compreendo a hipótese como uma explicação construída a partir do que a criança ou o adolescente sabe no determinado momento da pergunta. Portanto, não há certo ou errado, há apenas conhecimento, seja ele de qualquer natureza.

A partir de três casos (porque professora gosta de contar um caso), quero destacar três aspectos da hipótese no ensino investigativo:

Água no fogo — hipótese que liberta

Estávamos a professora de História e eu trabalhando com as crianças sobre o Cerrado.  Ao iniciar a discussão, pedi que cada um escrevesse o que entendiam sobre esse bioma. Precisei dar uma rápida saída e ao retornar percebi uma turma agitada. Minha colega foi logo perguntando “Eles querem saber se pode ser uma hipótese” e eu, imediatamente, afirmei que sim. Foi impressionante: as cabecinhas se abaixaram e eles começaram a escrever. Minha colega me olhou perplexa, sem entender muito o que havia ocorrido. Qual o segredo? As meninas e os meninos já haviam compreendido a ideia de hipótese como uma explicação com o conhecimento que possuíam naquele momento e que não havia resposta errada; havia simplesmente uma resposta. Portanto, a hipótese é libertadora! Ela liberta do medo de errar porque todo conhecimento é válido.

Dãããmmm — hipótese que acolhe a diferença

Como explicação a uma pergunta, uma criança apresenta uma resposta que aos colegas parece sem sentido. Logo vem aquele “Dãããmmm” ou adjetivos depreciativos Isso já aconteceu na minha sala de aula, no entanto, frequentemente outra criança intervém e reflete: “Professora, não tem certo nem errado, é o conhecimento do colega, é uma hipótese”. Como fica o coração da professora com essa fala tão respeitosa? Cheio de alegria!  A hipótese permite o acolhimento da diversidade, pois há pessoas que naquele momento sabem de algumas coisas e outros não. E isso é perfeitamente compreensível. Somos diferentes inclusive naquilo que sabemos. Portanto, hipótese gera respeito ao outro.

Como acontece a respiração?­ — hipótese como diagnóstico

Antes de trabalhar os sistemas do corpo humano, sempre faço o diagnóstico do conhecimento delas por meio da produção de hipóteses. Para essa pergunta, três alunas e alunos do quinto ano responderam assim:

  • “Eu acho que o nosso corpo respira pelo bumbum, porque quando tomamos refri ou comemos algo pesado dá uma vontade de dar uma respirada ali.”

  • “Eu acho que a respiração vem quando nós puxamos o ar pelo nariz ou a boca e então o pulmão se enche de ar e esvazia quando soltamos pela boca ou pelo nariz.”

  • “Respiramos oxigênio que vai para o pulmão e este ar é limpo e devolvido.”

 

Ao conhecimento prévio foi dado o status de hipótese. Sem medo de ser julgada, uma criança relaciona a respiração ao pum e, convenhamos, nos dois há gases. Podemos ser levados a concluir que a segunda hipótese é a melhor, mas temos que sempre fazer o exercício de que na fase de diagnóstico não há vantagem em estabelecer quais hipóteses são melhores ou piores. Há sim muita informação para a professora organizar seu trabalho pedagógico a partir do que os alunos já sabem e daquilo que precisam aprender.

Ao longo deste texto, destaquei que a hipótese carrega o conhecimento que cada aluno possui num determinado momento. Logo, os pontos de partida são distintos. Mas é papel da professora e do professor organizar a etapa investigativa para que, ao final, todos atinjam os objetivos de aprendizagem propostos, entre eles, a compreensão dos conhecimentos científicos. O aspecto momentâneo da hipótese denota ainda outra boniteza do aprender: à medida que aprendemos, elaboramos novas hipóteses e sofisticamos cada vez mais as nossas explicações sobre o mundo. 

COMPAIXÃO NA ESCOLA

Compaixão na Escola

Um ambiente seguro para poder relaxar – Como cuidar da gente sem (tanto) estresse

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Eduardo Pacifico

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Fundador e Diretor da ONG Gaia+. Ecólogo, mestre e doutor em Ciências Ambientais, criou e realizou projetos de habilidades socioemocionais com milhares de crianças e professores em todo o Brasil.

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Valentin Conde

Coordenador de projetos no Instituto Sidarta, professor de práticas contemplativas para a infância, Pedagogo formado pela PUC-SP e mestre em ciências da religião com ênfase em estudos budistas pela Fo Guang University de Taiwan. Pós-graduado em Gestão Emocional nas Organizações pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.

Você tem sentido algum grau de ansiedade, estresse ou piora na sua saúde mental? Você não está sozinha(o). De acordo com a OMS, desde 2017, o Brasil é o país com maior número de pessoas diagnosticadas com transtorno de ansiedade. Na docência os números são ainda mais alarmantes. Segundo a pesquisa da Associação Nova Escola, em 2018, 68% dos docentes brasileiros se percebiam ansiosos. Na edição de 2020 da mesma pesquisa, 72% dos docentes perceberam piora na saúde mental, queixando-se de altos níveis de estresse, ansiedade e depressão.

Parece o caos. E agora? Calma... Respira... Vamos juntos.

A pergunta que pode nos afligir é: Como podemos nos manter firmes nesse contexto e ainda contribuir para o bem-estar de nossas comunidades? Obviamente a resposta para uma pergunta complexa é uma resposta complexa! Mas que pode ser entendida em partes. Vamos lá:

Em nossos últimos encontros aqui na revista falamos sobre duas qualidades essenciais: autocompaixão e autoconsciência. Em resumo, sermos capazes de perceber e acolher nossas sensações e pensamentos, praticando o autocuidado, tratando à nós mesmos como um bom amigo trataria.

Completando a resposta, podemos dar o passo seguinte: cultivar a autorregulação. Essa é uma das cinco grandes competências socioemocionais e ela envolve habilidades como perseverança, estabelecimento de metas pessoais e coletivas, e principalmente, utilizar estratégias para gerenciar estresse.

Repararam que nós falamos “gerenciar” e não “acabar”? Pois é! O estresse, em si, não é ruim. Ele é apenas uma resposta fisiológica que prepara nosso corpo para as situações potencialmente adversas em nosso dia a dia. Ou seja, estressar-se é importante. Se você estiver em um prédio onde há um incêndio, ao ouvir o alarme, a resposta mais correta seria dirigir-se rapidamente e atentamente para a saída de emergência mais próxima, certo? Não seria correto sentar-se para relaxar num momento como esse. O problema é quando vivemos o estresse tóxico (também conhecido como distresse), um estado em que, mesmo na ausência de alguma ameaça, nossos corpos continuam emitindo sinais de medo e tensão. Sabe quando você acorda estressado, passa o dia estressado e dorme estressado, mesmo sem nenhuma ameaça... Esses estados prolongados de estresse são muito nocivos para nossa saúde e para nossas aprendizagens.

Agora sabemos que não é preciso (e nem recomendado) eliminar o estresse, mas apenas gerenciá-lo. Como fazer isso? Eu aposto que você sabe a resposta. Com certeza você já pediu para algum estudante respirar fundo, contar até dez. Talvez alguém já tenha te ajudado numa situação como essas, pedindo que você se acalmasse. Na realidade, basta conectar-se com as sensações agradáveis: o que você gosta de fazer, que te acalma? Algumas sugestões: tomar um copo de água lentamente, prestar atenção na respiração, contar até 10, ouvir uma música reconfortante, dar um abraço em alguém querido, brincar com seu filho ou neto, passear com o seu animal de estimação, dançar... O segredo é ter atenção gentil e consciente aos nossos corpos e seus sinais. Assim acharemos os caminhos para recuperar o bem-estar até nos momentos mais desafiadores. Acredite, tomar alguns segundos para se acalmar é o que está entre você e um possível sentimento de culpa.

Gostei! Mas como levar isso para meus estudantes? Uma boa forma de abordar esse tema é imaginando que nós somos casas e que nossos corpos e sentidos são como sistemas de segurança que percebem as coisas ao nosso redor. Quando algo que parece perigoso chega muito perto, nossos alarmes soam para nos alertar. Em nossos corpos, esses alarmes são sinais como nossos corações batendo forte, nossa respiração ofegante, nossa agitação física, por exemplo. Ao perceber isso, fazemos coisas para evitar esse perigo. Depois que passou, cuidamos para fazer o alarme parar de soar e voltamos para o conforto de nossas casas. Cultivar autorregulação é como aprender as senhas desse sistema de segurança, é saber controlar os alarmes, ter mais controle sobre nossos estados internos. Ninguém quer deixar o alarme ligado o tempo inteiro, certo?

Mas, como canta Bon Jovi, não somos ilhas. Somos arquipélagos, vizinhanças, interdependentes e interconectadas. Por isso, quando um alarme soa, a vizinhança toda acaba ficando vulnerável. Dessa forma, encorajamos o cultivo da autorregulação num princípio comunitário, onde qualidades como a resiliência e o autocontrole são cultivadas de forma intencional e coletiva, sem nenhuma conotação punitiva. Quando desenvolvemos estratégias para apagar o fogo em nossos quintais, protegemos as casas ao redor e vice-versa.

E você, qual é a sua estratégia para desligar seu alarme? Compartilha com a gente!

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