Neurodiversidade: um assunto ainda novo para muita gente e carregado de preconceito na escola
Diversidades
Edição N.º 26, Março de 2023
Mesmo sem saber muito sobre o contexto de quem está lendo esse texto, posso arriscar dizer que, no tempo em que você ia para a escola como estudante da educação básica, não tinha colegas de turma diagnosticados com algum tipo de neuroatipicidade. Isso aconteceu porque, até muito pouco tempo atrás, a neurodiversidade não era uma pauta comum, nem mesmo nos ambientes escolares. Afinal, o termo, usado para descrever as diferenças existentes no cérebro humano, tem se popularizado cada vez mais atualmente - inclusive com a ajuda das redes sociais.
Vamos começar com a lição básica: é considerada neurodivergente (ou neuroatípica) aquela pessoa cujo desenvolvimento neurológico, ou alguns aspectos do seu processo neurológico, são diferentes do padrão que existe em uma sociedade, ou seja, atípicos. Essas pessoas podem ter variações cognitivas como transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (o chamado TDAH), autismo, altas habilidades, superdotação, dislexia ou dispraxia. As pessoas que não possuem essas variações cognitivas são, portanto, chamadas de neurotípicas.
Se você acredita que trabalhar com crianças neurodivergentes em sala de aula seja um grande desafio, te convido a continuar lendo esse texto e refletir sobre essa afirmação ao final da nossa conversa. Para falarmos sobre o assunto, chamamos a professora Ana Stern, que foi diagnosticada com dislexia desde pequena, mas que recentemente descobriu que também é autista, tem TDAH e altas habilidades.
“Muitas vezes, a gente vê pessoas falarem de neurodivergentes com aquela imagem estereotipada, reforçando alguns preconceitos. Mas eu prefiro pensar nos exemplos bons, de quem tem essa diferença e conseguiu ir longe, muitas vezes, justamente pelo fato de pensar de forma diferente, conseguir desenvolver outras habilidades, ou se tornar muito bom em outras competências. Essa é uma visão mais interessante”, afirma a professora que dá aula de Ciências para o 2º ano do ensino fundamental.
Dando nomes às coisas e bolando estratégias
Segundo Ana, os diagnósticos recebidos foram úteis para que ela se sentisse menos solitária e para que pudesse dar nomes às suas condições — principalmente ao conversar com os outros. “Eu sempre tinha uma vozinha na minha cabeça, que falava: ‘porque algumas coisas são tão difíceis para mim e eu vejo que não são para a maioria?’. Eu via que não era má vontade ou desleixo, mas uma dificuldade real”, conta Ana. “O diagnóstico foi bom no ponto de vista de que eu consegui entender minhas dificuldades, entrar em contato com grupos de pessoas que têm alguma semelhança comigo, e, a partir disso, elaborar estratégias para seguir em frente”, afirma. “Mas continuo sendo eu mesma, não vejo muita diferença. Não pra mim”, conta.
De forma gentil e assertiva, Ana compartilhou com a revista Fique Bem algumas adaptações que podem ser feitas no contexto escolar para que as pessoas neurodivergentes se sintam mais confortáveis, sem causar qualquer prejuízo ao conforto dos demais alunos. Por exemplo, você sabia que usar uma luz amarela ao invés de uma luz branca, na iluminação da sala de aula, faz muita diferença? Entender as questões da necessidade do silêncio e das dificuldades no que se refere à autorregulação dos alunos também é um passo importante para a inclusão. Segundo a professora, uma luz piscante em sala de aula, por exemplo, pode prejudicar bastante o desempenho de alunos autistas. Da mesma forma, a letra preta em fundo branco pode ser um obstáculo para pessoas com dislexia.
“Eu tenho dislexia e acabo fazendo aulas que não são só de ler, escrever e copiar… são aulas com a metodologia ativa, aulas que eu gostaria de ter tido quando eu aprendia”, afirma. “Faço dinâmicas sobre o corpo humano, uso diagramas, desenho, levo eles pra fora, uso o laboratório”, comenta. “Tem alguns alunos que a maioria dos professores julgam de difícil, né? Pra mim, eles são os mais fáceis! Porque são justamente os alunos com autismo, com nível de assistência 1 e 2, que estão na sala de aula e eu consigo dar uma atenção especial, e pra mim é sossegado. Tenho alguns alunos com TDAH que dá pra entender, se colocar no lugar e fazer adaptações para esses alunos. Com alguns alunos que têm dificuldades com escrita, eu compartilho as minhas dificuldades e eles se sente acolhidos porque sentem que não estão sozinhos, que a professora também tem dificuldade”, continua.
Falta inclusão, treinamento e condições
“Eu tive um aluno que era diagnosticado com autismo, mas eu falei para investigar um diagnóstico de altas habilidades para ele, porque o menino é simplesmente genial. Ele tem dificuldades sociais, mas tá na sétima série fazendo coisas do colegial, com muita facilidade. Temos que incentivar crianças assim”, conta.
Para a professora, o que falta nas escolas, além do treinamento para lidar com a neurodiversidade em sala de aula, é também um tempo para que o professor consiga dedicar atenção a cada aluno, neurotípico ou neuroatípico. “São 30, 35 alunos e, com tanta gente, às vezes a professora não tem como notar todos os traços. No caso desse menino, por exemplo, o pessoal via que ele era bom, que ele era inteligente, mas tinham medo dele e faltava fazer as alterações pro aluno avançar”, comenta.
“Identificar e direcionar para o lugar certo faz parte do papel do professor também. Mas acho que só de mudar essa visão que a gente tem na sociedade, de focar no ponto fraco e esquecer o ponto forte, já faz toda a diferença”, encerra a professora. E aí, você ainda acredita que trabalhar com crianças atípicas seja um grande desafio? Ou será que, com treinamento, empatia e compaixão, tudo se acerta? Reflita e comente com a gente no nosso Instagram.