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Linguagem neutra ou inclusiva: mais que uma tendência, uma questão de respeito

Caneta Vermelha

Edição N.º 17 - Junho 2022

Se você ler com atenção, vai notar que a edição deste mês da Revista Fique Bem está diferente. A diferença sutil está na linguagem que procuramos adotar nesta edição — e que pretendemos manter para as que virão, no decorrer do ano de 2022. Afinal, é a primeira vez que nos preocupamos de fato em escrever a nossa revista adotando os cuidados relativos à linguagem inclusiva. Você sabe o que é e como ela funciona? Aliás, você sabe a diferença entre a linguagem neutra e a linguagem inclusiva? Siga com a gente, que, no Caneta Vermelha de junho, queremos nos aprofundar nestes assuntos — que tanto têm sido pauta em algumas escolas do país. 

Em Juiz de Fora, Minas Gerais, um projeto de lei elaborado pelo vereador Sargento Mello Casal (PTB) tem dado o que falar. Isso porque propõe a proibição do uso de linguagem neutra em escolas. Segundo o texto apresentado pelo vereador, o objetivo da matéria é garantir “aos estudantes do município de Juiz de Fora o direito ao aprendizado da Língua Portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino”. O PL 117/2021 chegou a ser aprovado pela Câmara Municipal em primeira discussão, mas voltou à pauta após alguns pedidos de vista.




De qualquer forma, o episódio fez diversas pessoas que trabalham na área da educação se debruçarem sobre o assunto. Há quem seja contra, há quem seja a favor do PL, mas o que queremos falar aqui é sobre a relevância que existe no uso da linguagem neutra ou inclusiva no ambiente escolar. E sobre o que está por trás de toda essa discussão.


Linguagem neutra e a questão do respeito

Antes de tudo, vamos a uma revisão básica. Tanto a linguagem neutra quanto a inclusiva têm o objetivo de promover uma comunicação que não exclua ou invisibilize nenhum grupo social. Também chamada de não-sexista, a linguagem inclusiva é aquela que propõe a substituição de marcadores de gênero no discurso, mantendo o idioma da forma como o conhecemos, mas evitando o masculino genérico. Por sua vez, a linguagem neutra propõe, com um objetivo semelhante, novas grafias de palavras e a inclusão de um novo gênero na língua, expressando a não binariedade das palavras. Por exemplo, a expressão “todos estão representados” seria substituída por “todas as pessoas estão representadas” na linguagem inclusiva, e seria alterada para “todes estão representades” na linguagem neutra.

“Antes da questão de gênero que atravessa essa pauta, existe a questão básica de que é preciso respeitar todas as pessoas e suas demandas”, nos ensina Carú de Paula, uma pessoa transgênero, que atua na psicologia, se aventura na poesia e se compromete com um mundo melhor a partir do ativismo LGBTQIA+. Carú já fez história no Fique Bem, participando da nossa live sobre LGBTQIA+ na escola, em setembro de 2021.

 

“Disputar pela linguagem neutra é equivalente a disputar pela dignidade dos corpos neutros e não binários, mas não só. É reconhecer que a experiência da vida é múltipla e, assim sendo, há algo de muito errado na nossa estrutura social que impede que a multiplicidade da vida seja reconhecida em todas as suas facetas, demandas e dignidades”, afirma Carú, em entrevista à Revista Fique Bem. “Pensando assim, o valor de uma vida que se expressa na não binariedade ou nas transgeneridades é igual ao valor de uma vida que se expressa na cisgeneridade e nos pronomes binários, né?”, constrói.

“Sendo assim, se há algo de errado, que impede que essas vidas sejam ambas vividas com dignidade, com disponibilidade de acesso a políticas públicas, a serem bem tratadas, enfim… Há um lugar onde isso precisa ser revisto, reajustado, trabalhado, um lugar onde é fértil para se trabalhar e se reeducar as próximas gerações, e esse espaço é o espaço da escola”, afirma Carú.

 

“Eu acho curioso que a gente tenha que retomar que o espaço da escola é um espaço da fertilidade para a formação das próximas gerações, não no campo do conhecimento científico, no campo do conhecimento básico, mas também no campo da prática, de uma relação de construção e manutenção, de uma comunidade, de uma sociedade. Então, nesse sentido, é importante pensar na linguagem neutra no contexto especificamente da escola, porque é onde a gente consegue atingir de fato e promover mudanças estruturais a longo prazo”, argumenta.

 

“Eu penso que a aplicação da linguagem neutra de forma prática —  não só em termos de como professores podem apresentar ela, seja para pais ou para estudantes —  passa pela necessidade de que você precisa tratar alguém com a dignidade que essa pessoa demanda. Essa já é uma justificativa mais que suficiente”, diz. “O uso da linguagem neutra dignifica a experimentação de uma vida, de um grupo de pessoas, que até então, não tem isso disponível pra elas. Isso é uma reparação, então. E isso é um dever social, político, de toda pessoa que compõe uma sociedade e a quer organizada, fértil, potente e quer que ela garanta a dignidade de todos que a compõem. Se trata de uma questão básica de respeito com o outro”, conclui.

E você, já teve essa discussão na sua escola? Conte para a gente!

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