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Setembro Amarelo: como fugir do meme, do gatilho e realmente fazer sua parte na luta?

Hora do Café

Edição N.º 20 - Setembro de 2022

Com a chegada do mês de setembro, notícias, campanhas publicitárias, publicações nas redes sociais e ações corporativas que têm como foco a saúde mental voltam à pauta nacional. Isso acontece por causa da famosa campanha Setembro Amarelo. O dia 10 deste mês é, oficialmente, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, e ampliar a discussão para o mês inteiro é uma iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), em campanha promovida desde 2014.




Em 2022, o lema da campanha é “A vida é a melhor escolha!” e diversas ações já estão sendo desenvolvidas. No entanto, quando falamos em Setembro Amarelo, muitas pessoas já torcem o nariz. Não porque são contra a promoção da campanha, mas porque sabem que muitas pessoas e instituições fazem mal uso do movimento, distorcendo a mensagem central da campanha ou —  às vezes com a melhor das intenções, mas com pouca instrução —  alimentando rótulos que mais prejudicam do que ajudam na discussão sobre o assunto.


Como a revista Fique Bem já fala sobre saúde mental o ano inteiro, nos sentimos na obrigação de tocar nesse assunto também em setembro, é claro. Mas, por aqui, queremos trazer diferentes olhares sobre a pauta. Quais os cuidados que devemos tomar em relação à campanha Setembro Amarelo? Quem pode participar e como podemos, sem sermos profissionais da saúde mental, ajudar quem precisa? Afinal, será que uma ação de prevenção ao suicídio pode ser elaborada apenas com a boa intenção dos envolvidos? ​Para falar sobre o assunto, consultamos não um, mas um time de profissionais diferentes, que atuam na área da saúde mental. Segundo eles, a campanha é essencial e necessária. Inclusive, porque ela nos ajuda a entender qual o papel de cada um de nós na manutenção e no cuidado com a saúde mental do outro. ​“A minha orientação é ofereça colo e ouvidos. Além disso, quando não souber o que dizer para quem sofre, lembre-se que a expressão ‘eu estou aqui’ já é um bom começo”, afirma a psicóloga e palestrante Thayane Belchior. “Quando a gente se disponibiliza, ouve com atenção e sem julgamentos, a gente também salva!”, continua ela, que também é mentora de negócios e CEO da plataforma Comprando Delas. ​A diferença entre amigo e terapeutaNo entanto, é importante reforçar que a escuta de um colega não substitui o trabalho de um profissional da saúde mental. O psicólogo Hudson Silva, especialista em Saúde Mental e Psiquiatria, reforça a importância de entender as diferenças e as semelhanças entre esses dois tipos de relacionamentos.​“Há dois pontos: um é o compartilhamento de intimidade e o outro é o objetivo da relação. No âmbito da amizade, o compartilhamento de intimidade é mútuo. No processo terapêutico, o compartilhamento não é mútuo, é unilateral. Claro, em certo grau, o terapeuta também compartilha algumas questões pessoais suas, mas num nível muito superficial. Quem compartilha de fato a sua vida íntima é o paciente”, afirma o psicólogo.​“No âmbito da amizade, o objetivo de uma amizade é muito mais abrangente, né? É muito mais geral. Então, não se busca somente cuidar da pessoa, cuidar da saúde da pessoa, ou desenvolver aspectos importantes para a saúde da pessoa. Não só isso, a amizade envolve gostos em comum, momentos em comum. Com relação ao terapeuta, os objetivos são mais específicos. Com o terapeuta, o objetivo é focado no cuidado com a saúde daquela pessoa”, continua.​De acordo com o especialista, em relação à saúde mental, tanto os amigos quanto o terapeuta podem ser parceiros. “Amigos e familiares são importantes colaboradores, importantes pontos de apoio, podem ajudar muito em momentos de crise e, também, no processo psicoterápico de muitos pacientes. Agora, o amigo não vai ocupar o lugar de um terapeuta”, ressalva Hudson.​“O terapeuta existe para ser o guardião de um espaço dedicado ao cuidado com a nossa saúde mental. Isso quer dizer que todo o seu cuidado com saúde mental vai ficar fechado àquele espaço? Não. Mas aquele espaço é dedicado a isso. Enquanto o terapeuta ocupa o lugar de guardião desse espaço, os amigos e a família acabam servindo de colaboradores para que esse espaço também exista fora do consultório”, conclui ele. Ou seja, uma coisa não exclui a outra.​Falar sim, mas com responsabilidadeAgora que já sabemos qual é o nosso papel na campanha de prevenção ao suicídio — um papel que não substitui o do profissional da saúde mental, mas que é de parceria nessa luta — , precisamos falar sobre os cuidados que devemos tomar no nosso discurso quanto a esse assunto.​“Todas as iniciativas que colocam na vitrine aquilo que é real, que está entre nós, e que é um tabu, são bem vindas. Trazer para a sociedade um drama que é da sociedade é sempre bem vindo”, ressalta o psicólogo clínico e facilitador de grupos Fred Barão, membro da Associação Paulista da Abordagem Centrada Na Pessoa. “O que eu questiono é a forma como isso é apresentado e divulgado muitas vezes. Algumas vezes, com uma romantização. Outras, com algumas palavras que podem até dar um tom jocoso para a situação, até menosprezando a dor de quem já está em um planejamento suicida”, alerta.​“Em um momento em que eu estou fragilizado, quando eu tenho uma imagem, ou quando eu tenho um grupo de palavras que subjuga a minha dor, a qual me deixa frágil, isso pode pegar de uma forma muito nociva”, diz Fred. “Eu posso entrar em um processo de culpa, em um processo de raiva, ou também de vergonha muito grande daquilo que está sendo apresentado”, diz. “Então, para trazer à tona um drama, é preciso ter dedos. Esse assunto não pode ser levado de forma não pensada. Precisa ser exibido de forma muito estruturada para que o tiro não saia pela culatra”, afirma o psicólogo.​Outro cuidado que precisamos tomar é trazer o assunto pensando não só nas pessoas que já cometeram um suicídio, mas focando os esforços naquelas que podem vir a cometer essa atitude. É o que ressalta a psicóloga Thayane Belchior: “Neste setembro, eu quero focar em quem pode ser salvo. Quantos sorrisos a nossa volta escondem dores profundas? Não quero saber apenas quais os números de suicídio de ontem e hoje, mas quero saber o que eu posso fazer, a partir de hoje, para que esses números não existam mais”, encerra a especialista.

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