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Parceiros no amor e na educação, professores acumulam décadas de memórias

Fala, Mestre!

Edição N.º 16 - Maio de 2022

Alguns casais se formam no carnaval — entre um bloco e outro, sob fantasias e em clima de folia. Hoje em dia, muitos casais se conhecem pela internet — entre curtidas, comentários e aplicativos de namoro. Outros ainda, se formam no trabalho — entre demandas, prazos, equipes e projetos. Foi mais ou menos assim que, em 1984, um casal muito querido se conheceu e começou a se aproximar. Três anos depois, Soninha e Ataíde estavam celebrando a união deles, tão companheira e divertida, em um belo casamento.

O que não foi dito no nosso primeiro parágrafo é que o trabalho que uniu a professora Sonia Santana da Costa e o professor Ataíde Felício dos Santos foi um projeto de pesquisa, desenvolvido na Universidade Federal de Goiás (UFG). Na época, ambos foram convidados, pelo professor de Educação Física, Nivaldo Antonio Nogueira David, para participar do mesmo projeto. Mal sabiam eles que aqueles dois anos de trabalho acadêmico seriam os primeiros de mais de três décadas de parceria — na prática da educação e no amor.


Quem conhece o casal de Goiânia sabe o quanto essa parceria deu certo. Ela, uma educadora apaixonada pelo brilho no olhar dos alunos, preocupada com a saúde mental, a espiritualidade e o bem estar de seus estudantes, sensível e firme, na medida que a vida lhe cobrou. Ele, um educador curioso a aprender com o mais novo dos alunos, motivado a lecionar com interdisciplinaridade, artista e empático, sempre com um sorriso no rosto. Ambos, prontos para servir — a qualquer momento, aos alunos ou até a essa entrevistadora — um bolo com café, um passeio inesperado e algumas horas de prosa. Ô, conversa boa!



Desenho de João Oliveira, 5 anos, aluno de Ataíde.


“O segredo de ensinar é estar sempre aberto a aprender. E eu sou muito curioso”, conta Ataíde. O professor, que completou 62 anos no início deste mês, começou a dar aulas aos 14. Na época, lecionava inglês para crianças, pois tinha facilidade com a língua. Na juventude, até chegou a colocar um pé fora da área da educação, trabalhando para um escritório de contabilidade, servindo ao exército, atuando em bancos… mas rapidamente acabou voltando às salas de aula, por paixão, e de lá não saiu mais. “Eu não dou aula, eu me divirto!”, diz ele, que é professor no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (Cepae) da UFG.


​Sua esposa, por sua vez, trabalhou por 38 anos na área da educação. Depois de postergar por oito anos, se organizar muito bem e trabalhar o seu emocional, Soninha se aposentou, também no Cepae. “Eu pensava em me aposentar e eram lágrimas voando para tudo o que é lado”, conta ela. “Dar aula sempre me foi muito emocionante. Acho a alfabetização a coisa mais linda”, lembra a professora, que, como o marido, já deu aula para pequenos e para adultos.


“Eu dei aula do 1º ao 4º ano. Depois eu fiquei mais com os alunos do 1º e do 2º ano do ensino fundamental, seguia com a turma. E dava aula também para a turma do estágio, que sempre a gente tem alunos da graduação conosco, e para alunos do mestrado”, conta Soninha. “E como parecem, viu? Os alunos do mestrado com os meninos do 1º ano”, revela. “A semelhança está na questão da descoberta, do novo. É um encantamento com o conhecimento, que é muito bonito de a gente ver, tanto no início quanto no mestrado. E o compromisso também é igual”, compara.



Casados desde 1987, Soninha e Ataíde sempre trabalharam juntos, desde que se conheceram, em 1984


Memórias e memórias

O casal surpreende qualquer um com a capacidade de armazenamento cerebral de informações, quando o assunto é aluno: são duas máquinas de registro de identidades. “Mas a minha memória só é boa para aluno, viu?”, avisa Soninha. Segundo eles, sempre que algum aluno os reencontra, mesmo décadas após trabalharem juntos em sala de aula, sua identidade não demora a ser reconhecida. “Me vem logo toda a história do aluno, não sei, mas eu sempre lembro”, diz ela. De acordo com uma conta rápida que fizemos, Ataíde teve cerca de 3.600 alunos só na UFG, e também diz se lembrar de todos.

 

Além de lembrar das pessoas, tanto Soninha quanto Ataíde lembram muito de episódios que acumularam durante todos esses anos de experiência. O combo é o ideal para um café com bolo: eles juntam a boa memória, a longa experiência, a vontade de compartilhar histórias e um carinho sem igual pelos seus alunos. “Nós éramos e somos, no presente, sempre muito encantados com a infância”, diz Ataíde. “E a gente aprendeu a levar esse encantamento pra dentro da experiência do ensinar, então a gente se diverte demais. São muitas histórias”, conta.

 

A mais recente que me contaram foi a história de quando a luz da casa do casal acabou bem no momento em que Ataíde daria uma aula remota. Inseguro com o que envolve tecnologia, Ataíde conta com a sua supersecretária, Soninha, que o auxilia em todas as questões referentes à tecnologia. Mas, nesse dia, não tinha o que fazer a não ser esperar a luz retornar. Quando a luz voltou, 15 minutos antes do horário do fim da aula, o casal conectou à sala, na expectativa de encontrar um ou outro aluno ainda online, esperando o professor retornar. 

 

Ao entrarem na sala, perceberam que nenhum aluno havia desconectado e todos seguiam em sala, engajados com o conteúdo. “A gente sabia que você ia tentar voltar. Fizemos como você nos ensinou, professor. Baixamos o conteúdo, a gente dividiu a leitura e as perguntas para você responder estão todas no chat”, responderam os estudantes. 

 

A reação desses estudantes só comprova que aquilo que une esses professores a seus alunos é muito mais que conteúdo formal: é conexão, que vem de uma educação amorosa e cuidadosa. “Você não educa se você não cuida, se você não escuta”, diz Soninha. “Educar e cuidar é um par dialético”, conclui Ataíde. “Emocional e intelectual estão extremamente conectados”, completa ela — que completa ele, seja no trabalho ou na vida pessoal, desde 1984.

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