"O avesso da pele" é destaque da literatura brasileira contemporânea
Resenha Literária
Edição N.º 16 - Maio de 2022
Promover uma prática pedagógica antirracista envolve, entre diversos fatores, a escolha de obras de apoio que abordem o tema de forma potente e didática. Se você, assim como diversos professores da nossa rede, já se pegou perdido na hora de escolher que livro trabalhar em classe, para explorar o tema de forma transversal nas aulas de Literatura, esse texto é para você.
Neste mês, a revista Fique Bem conta com a resenha do livro O avesso da pele de Jeferson Tenório, produzida pelo nosso parceiro professor Arnaldo Gomes, que leciona a disciplina de Língua Portuguesa na rede pública de Pernambuco. Arnaldo é mestrando em Culturas Africanas, da Diáspora e dos Povo Indígenas.
Quer ser o próximo a publicar sua resenha aqui? Escreva para fiquebem@gaiamais.org. Boa leitura!
Resenha de O avesso da pele - por Arnaldo Gomes
Um dos principais destaques da literatura brasileira contemporânea e vencedor do prêmio Jabuti 2021. O avesso da pele é a história de Pedro, um homem negro que vive no sul do Brasil. Após a morte do seu pai em uma abordagem policial, mergulha no passado de sua família em um país racista e desigual.
São nas águas profundas do racismo estrutural que o escritor Jeferson Tenório, por meio de uma narrativa não linear, lança as peças de um quebra-cabeça que faz o leitor ir e voltar em diversos momentos da vida de Henrique e Martha, pais do protagonista. Dois negros que moram em Porto Alegre e vivenciam nas situações mais comuns o que é ter a pele escura em uma sociedade onde o racismo velado ora se apresenta como um tsunami, ora como uma maresia capaz de corroer a alma. Afinal, como diz um dos personagens, “No sul do país, um corpo negro será sempre um corpo em risco.” (p.184)
O escritor nos conduz a mergulhar em O avesso da pele de uma forma da qual não estamos acostumados. Narrado majoritariamente em segunda pessoa, acompanhamos parte da vida dos pais do narrador onde sentimos a profundidade de se descobrir negro em uma sociedade racista, a falta de oxigênio em cada abordagem policial sofrida por Henrique ao longo de sua vida e o que o levou a tomar certas escolhas.
Ler este romance, certamente, é vermos na trajetória dos personagens as vozes de escritores necessários para falar do corpo negro como Grada Kilomba, Lélia Gonzalez, Conceição Evaristo, Frantz Fanon entre tantos outros.
Na terceira parte deste grande oceano que é a obra, o narrador traz à superfície memórias recentes do seu pai, evidenciando um problema latente em nossa sociedade: o sistema educacional brasileiro. Mas antes de continuar falando do livro, quantos professores negros você já teve, caro leitor?
Henrique, professor de literatura há 20 anos, era o único negro do corpo docente. Trabalhava durante o dia em uma escola e a noite em outra com turmas da EJA. Ao percorremos seus últimos passos no ofício, vamos sentindo sua dor por não ser valorizado, sua angustia por ter que aplicar programas educacionais que não fazem parte da realidade dos seus alunos e tristeza por ter se esforçado tanto para seguir o que a sociedade ditou como regra — estudar, fazer faculdade, formar uma família, ter um bom emprego — mas que para um negro esta regra não parece se aplicar.
O título da obra é uma grande metáfora para a descolonização do nosso pensamento. Um lugar que não nos deixa ser definidos pela cor, mas por sermos humanos.
“É necessário preservar o avesso, você me disse. Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e determina nosso modo de estar no mundo. E por mais que sua vida seja medida pela cor, por mais que suas atitudes e modos de viver estejam sob esse domínio, você, de alguma forma, tem de preservar algo que não se encaixa nisso, entende?” (p. 61)
O avesso da pele é um expoente para trabalhar uma educação antirracista, pois Jeferson Tenório quebra os estereótipos e seus personagens fogem do que seria esperado. A exemplo, temos Martha, uma mulher negra que não tem interesse sobre as questões raciais mesmo sendo vítima de um sistema sustentado pela colonialidade do poder. Bem como, o livro é um passo importante para conhecermos outros escritores negros como Itamar Vieira Junior, Carolina Maria de Jesus e tantos outros que deveriam está sendo lidos em sala de aula e, de fato, está ser aplicado as Leis 10.639/03 e 11.645/08.
Referências:FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. São Paulo: Ubu Editora, 2020.TENÓRIO, Jeferson. O avesso da pele. 1ª ed. São Paulo: Companhia das letras, 2020.QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2005.