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Caminho do meio: professora de artes transforma vidas conectando seus alunos com aldeia indígena

Heliane tem contato com os povos originários desde os cinco anos de idade. Contato com ancestralidade brasileira sempre norteou sua prática educativa

Fala, Mestre!

Edição N.º 27, Abril de 2023

Provavelmente, você já ouviu falar em Ubuntu. Mas será que conhece o termo Teko Porã? Ambas as filosofias são baseadas em valores como solidariedade, cooperação, respeito mútuo, dignidade humana, comunidade e equilíbrio com a natureza. Enquanto o Ubuntu, termo já adotado pela mídia, tem origem africana e enfatiza a importância da comunidade e da conexão entre as pessoas, o Teko Porã é uma filosofia de vida do povo Guarani, que reforça a harmonia entre as pessoas, a natureza e os deuses.



Em meio a tantas notícias recentes difíceis de engolir no mundo da educação, acessar essas filosofias, inclusive com os alunos, pode ser um caminho para nos reconectarmos com a nossa ancestralidade e, assim, reforçarmos valores culturais que se opõem ao que tem resultado em cenas de violência nas escolas. Pelo menos é nisso que acredita Heliane Lima Lourenço, professora de Cubatão e estrela do nosso Fala, Mestre! deste mês. Para Heliane, a educação não deve ser paliativa, e a atenção à sua ancestralidade sempre fez parte da sua vida e da sua prática pedagógica.


"Meu primeiro contato com culturas indígenas se deu quando eu tinha cinco de idade. Na época, fui morar em um sítio em Mato Grosso do Sul e havia uma aldeia próxima à minha casa. Desde lá, esse tema me despertou muita curiosidade", afirma a educadora. Segundo ela, o contato maior se deu a partir dos 18 anos, quando, morando no litoral paulista, Heliane passou a frequentar aldeias em Mongaguá, participando de rituais. Mais tarde, teve três filhos e sempre os envolveu no que chama de filosofia indígena. 


"Eles me ajudaram muito a tocar o papel de mãe. Observei como que eles cuidavam das crianças e tomei como exemplo. Lembro de uma mãe calma, vendo uma criança indígena de dois aninhos de idade, aprendendo os primeiros passos, no meio de barrancos, do rio e do mato. Eu ficava com o coração na mão, mas a mãe a encorajava: era um vigiar sem interromper o processo de desenvolvimento da criança", conta. "Outra coisa que me chamou muito a atenção é que todos cuidam das crianças, não é só a mãe. Todos cuidam de todos", continua a professora. 


Influências indígena na prática educativa


"Enquanto professora, transformo a minha sala na minha aldeia, né? Entendo que eu estou nos meus alunos e eles estão em mim, a todo o momento. Entendo também que somos energia, parte de um ciclo", afirma Heliane. Há 16 anos, a professora, que encontrou nas artes um espaço para deixar sua energia fluir, se tornou mediadora de conhecimento entre as culturas indígenas e não indígenas, em um projeto na aldeia de Piaçaguera em Peruíbe, litoral de São Paulo. Na ocasião, teve a sua primeira experiência informal com educação indígena e aproveitou a oportunidade de compartilhar saberes de educadores de povos originários com jovens do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, a principal política pública para erradicação do trabalho infantil no país.



"Naquele momento, a liderança da aldeia era uma mulher e acho isso fantástico. Ela nos contou como era a educação por lá e a gente fez várias visitas. Fomos trocando conhecimentos e experiências", conta Heliane. O projeto foi tão bom que se estendeu pelo ano inteiro. Nesse período, Heliane acompanhou o curso de magistério indígena e viu educadores indígenas sendo formados na aldeia. Além disso, seus alunos tiveram a chance de ter aula de história do Brasil com os próprios indígenas. Em contraponto, Heliane buscava colaborar com as atividades na aldeia.


Segundo Heliane, era uma troca constante. "Porque eles diziam que muitos estudantes iam na aldeia, faziam suas pesquisas e iam embora sem retribuir o conhecimento. O que a gente propôs foi um caminho do meio. A gente comia com eles, participava das aulas que eles davam, tudo no meio da natureza, da aldeia. E, ao mesmo tempo, consegui fazer aulas de observação dos educadores, entender como eles trabalhavam", relembra Heliane. "Em contrapartida, nós trabalhamos com xilogravuras para ajudá-los financeiramente. Também ajudamos a desenvolver alguns projetos deles, financiar propostas. Fizemos e ajudamos a vender camisetas com xilogravuras, estampadas na língua nativa deles", afirma.


Alegria no caminho do meio


A professora conta que o trabalho executado a ajudou a alimentar em si e nos seus alunos um sentimento de pertencimento. "Quando a gente sente que é superior, a gente está perdendo muito feio enquanto ser humano", considera. "Foi uma experiência enriquecedora porque trabalhamos a temática indígena antes dos alunos conhecerem as pessoas da aldeia e, quando eles chegaram, sabiam que estavam no terreno dos nossos ancestrais, que pertenciam a esse território. Então, primeiro foi a desconstrução de certos valores e depois a abertura para esse contato. Eles chegaram querendo saber de tudo e super engajados: fizeram campanhas de arrecadação de alimento. Doaram telas para a escola indígena, foi superbonito", lembra ela.


Desde então, todo o trabalho da professora tem sido norteado pela filosofia indígena. "Sempre trago essa reflexão para a sala de aula. Eu chego a ficar emocionada, porque eu me sinto muito feliz e privilegiada. Tenho certeza que a minha mãe, apesar de ter poucos recursos, sempre me incentivou a trabalhar com arte e eu sou feliz, muito feliz com o meu trabalho. Sou feliz também por ter tido desde sempre esse contato com a filosofia que poderia ser a base da nossa sociedade", conclui. Uma filosofia que é origem, mas que ainda não é respeitada e valorizada como base da nossa sociedade.

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