"O Sofá estampado" é um livro infantil com importante crítica social
Resenha Literária
Edição Nº. 14 - Março de 2022
Você gosta de literatura, gosta de ler ou escrever resenhas? É aquela pessoa que ama dar ou receber dicas de livros e obras novas para devorar? Seja muito bem-vindo à nossa nova editoria, um espaço todo seu para conversarmos sobre obras incríveis! Hoje, contamos com a resenha do livro O Sofá Estampado de Lygia Bojunga, produzida pela professora de Língua Portuguesa Joycelaine Oliveira.
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Resenha de O Sofá Estampado — por Joycelaine Oliveira
Vitor é um tatu que se apaixona por Dalva, uma gata Angorá, que passa bastante tempo sentada em um aconchegante sofá. Toda a decoração da sala combina com o sofá de estampa amarelo clarinho, salpicada por flores miúdas, ora violetas, ora margaridas. O tapete, o espelho redondo na parede, a cortina delicada e até Dalva com sua exuberante beleza combinam com o sofá.
Dalva passa horas a fio de seu tempo sentada no sofá diante do mundo que se estampa na TV, seus olhos enxergam o que o aparelho mostra. Ela não consegue perceber Vitor, nem permitir que a paixão que ele sente alcance os seus olhos. Vitor precisa ser notado para que possa existir no coração de Dalva.
Romântico e sensível, ele escreve cartas de amor para Dalva, mas um dia descobre que as cartas nunca respondidas encontravam-se todas dentro do Sofá Estampado. Dalva estava entretida demais com as propagandas e as novelas que via na TV, para ler as folhas cheias de frases e letras que Vitor lhe dedicava.
Mergulhado em decepção, o tatu cava buracos no sofá e se esconde. Uma fuga que o coloca em contato com suas memórias. Ao acompanhar Vitor espiando para dentro da sua própria história, percebo que ele sente medo de ser olhado, medo de sentar-se na primeira carteira da sala de aula, de declamar o poema a pedido da professora. Treme, gagueja, começa a tossir quando as atenções se voltam para ele, sente vontade de fugir e por isso cava buracos para se esconder.
Vitor quer entender o seu lugar no mundo, busca pela sua identidade. Uma busca que começa e perpassa pelos buracos que cava e que o leva até suas memórias, seus medos e coragens. É com os buracos que ele enfrenta os seu traumas, reelabora as suas vivências e se encontra. É nos buracos que ele rompe as barreiras de um cotidiano que o oprime, que dita regras e alcança outro mundo.
O Sofá Estampado é uma narrativa que fala de olhares: do olhar de si, do olhar dos outros, do olhar diante do mundo, do que é visível e do não-visível.
Com um texto poético, instigante e cheio de metáforas, Lygia Bojunga desloca também o meu olhar enquanto leitora. Um olhar que percorre e transita pelas diversas espacialidades, temporalidades, texturas e sentidos que costuram a história de Vitor, passando pela sua infância na floresta, sua relação com a família e com a escola, sua formatura, o sair de casa e a vida na cidade com suas descobertas.
Assim como outros livros da autora, O Sofá Estampado convida o leitor a desvendar metáforas que descortinam mundos, que muitas vezes representam relações sociais dolorosas, nos convidando a pensar na morte, na violência e nas desigualdades sociais. Lygia Bojunga tem uma escrita envolvente e que toca nesses temas sem a necessidade da explicação, uma escrita que permite voos, que tem ressonância e provoca ecos no leitor acordando-o para novas perspectivas diante do mundo. Visivelmente, percebemos isso na trajetória de Vitor, tão cheia de imagens com cenas e cenários de um cotidiano que surpreende.
O Sofá Estampado é uma das obras mais premiadas da autora classificada como Literatura Infanto-Juvenil. É um texto com uma linguagem divertida, profunda, poética e de crítica social, que permite tanto a entrada da criança, como é capaz de despertar a meninice que mora em todo adulto.
Para finalizar, quero compartilhar com vocês, professoras e professores que me leem, uma experiência de mediação de leitura. Li pela primeira vez O Sofá Estampado com o meu filho, de seis anos. Ao lado dele, na cama, a cada noite líamos um capítulo. Ao chegarmos ao final do último capítulo, ele me disse: “Mamãe, esse capítulo é um poema. Vitor é um sonhador.” Deixo vocês com essa frase, que na verdade é um convite para conhecer a história de um tatu, que se chama Vitor e que se apaixona por uma gata angorá.
Referências:
BOJUNGA, Lygia. O Sofá Estampado. 33 ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2019.
GAMA-KHALIL, Marisa Martins (Orgs). As literaturas infantil e juvenil… ainda uma vez. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2021.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Sobre ler, escrever e outros diálogos. 2 ed. São Paulo: Global, 2019.