Fortalecida pela Arteterapia, professora reinventa a alfabetização no Maranhão
Fala, Mestre!
Edição N.º 13 - Fevereiro de 2022
Além de se referir a uma das escolas que compõem uma universidade, o termo faculdade também é definido pelo dicionário como o poder, o direito, a aptidão, a capacidade, natural ou adquirida, de fazer algo. Não é à toa que, quando concluímos um curso na faculdade, somos vistos como aptos a assumir uma profissão específica. Contudo, nem sempre o nosso trabalho é determinado pela faculdade que fazemos: o que obtemos na academia é o conhecimento, a informação, o respaldo técnico — e é com essa bagagem que criamos uma visão de mundo, olhamos para o horizonte e descobrimos o que nos encanta.
Marta diz que se encontrou na alfabetização de crianças
A professora Marta Christina Barros Bello, que atua há 20 anos na alfabetização, é docente na UEB Rubem Teixeira Goulart, escola da rede municipal de São Luis, no Maranhão. Graduada em Filosofia e em Design, com licenciatura em Língua Portuguesa e, aos 60 anos, prestes a terminar um curso de formação em Arteterapia, Marta não fez Pedagogia. No entanto, já trabalhou em escolas particulares e em escolas públicas, com alunos do 1º ano do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio, e hoje, com todo o conhecimento que acumulou em sua vida, se encontrou no papel de alfabetizadora.
“Eu tento fazer essa salada assim, misturar um monte de coisa que eu aprendi, que eu tenho de conceito, que eu tenho de ideias… e vou trabalhando com as crianças. Isso tem dado certo já há algum tempo, sabe? Eles gostam, eles se divertem”, comenta a professora. “Mas assim, eu sou um professora que tem consciência de que eu sou uma professora alfabetizadora. Então, as dinâmicas estão sempre relacionadas com esse objetivo, que é, ao final do período, elas estarem alfabetizadas, ao final do 1º ano. Normalmente, elas saem todas competentes, ou já no finalzinho do processo. E isso me faz feliz. É assim que eu continuo fazendo com alegria o que eu gosto de fazer”, define Marta.
Quem conversa com Marta logo tem vontade de ser um de seus alunos. Afinal, a “salada”, que a professora diz fazer, mistura o seu olhar artístico sobre a vida, seu posicionamento crítico e indagador a respeito da sociedade, um otimismo latente e um evidente carinho pelas pessoas com quem dialoga. Heranças do Design, da Filosofia, da Arteterapia e de sua vivência, é claro.
“Gosto de trabalhar com arte, com projeto, com movimento, com alegria… eu sempre estou envolvendo os meus alunos em práticas que sejam prazerosas, alegres e que tenham relação com a arte. Afinal, esse é o meu universo, é um universo que eu gosto, que eu transito, que me alimenta, e eu procuro transmitir os meus valores para as crianças. A gente faz muita reflexão, não gosto de dar respostas prontas para elas, gosto que elas pensem, se perguntem, pesquisem, investiguem”, relata a professora.
Professora inova na abordagem e transforma aulas de alfabetização no Maranhão
“Eu não gosto de reter conhecimento, sabe? Eu tive a oportunidade de estudar numa boa escola, tive a oportunidade de fazer faculdade boa, de ter acesso à formação, informação, cultura, lazer, sou privilegiada. E eu acho que não posso guardar o que eu aprendi na minha vida para mim, eu tenho que espalhar. Eu fui ser professora porque eu gosto disso: de ver que as minhas experiências têm um motivo de ser, elas aconteceram para que eu pudesse passar algum conhecimento adiante”, reflete Marta.
A professora conta que, sempre que vai trabalhar com algum conteúdo relacionado à arte, procura alguma ideia ou contexto para inspirar os estudantes a encararem o assunto com um olhar mais crítico e reflexivo. “Eu tinha uma amiga na faculdade de filosofia que estudava (René) Descartes e, um dia, ela se zangou comigo, porque eu disse que queria levar a filosofia de uma maneira que eu pudesse aplicá-la na vida”, lembra. “E eu consegui fazer isso!”
“O método de filosofia para crianças é exatamente essa coisa do abrir a cabeça para o pensar, levar a criança a fazer analogias, silogismos, investigações, comparações, tudo através de uma conversa”, explica. “É um negócio bem louco, dialético: eles perguntam, eles mesmos encontram as respostas, formam grupos para encontrar outras respostas”, conta a professora. “Até hoje, eu tenho amigos que foram meus alunos e fico feliz quando eles dizem que estudar filosofia fez diferença na vida deles. De certo modo, eu me preparei a vida toda para ser professora, porque isso deu sentido para mim”.
Para Marta, o período de aulas remotas durante a pandemia foi desafiador, principalmente por conta do acesso. Dos seus 25 alunos, metade tinham acesso à internet e conseguiram acompanhar um conteúdo criativo, dinâmico e interativo criado pela professora. Para a outra metade, Marta criou atividades e construiu um conteúdo impresso bem completo, mas a experiência foi totalmente diferente.
“Na escola onde eu trabalho, não tem uma estrutura com internet, com equipamento. Então, eu aproveitei esse momento, a gente aprendeu a lidar com esse universo ‘desconhecido’ [do digital], e eu gostei de trabalhar com isso, foi dinâmico, interativo. Por outro lado, tem um espaço terrível que são as crianças que não têm acesso. Com essas crianças, a gente fez um trabalho de monitoramento, de conteúdo impresso, de atividades, mas também não é muito do jeito que eu acho que tem que ser”, relata.
Em sua vida pessoal, Marta se apoiou aos estudos no período de pandemia. “Eu tive a felicidade de esses dois anos de pandemia coincidirem justamente com o período que eu tive que fazer o meu trabalho final no curso de formação, um trabalho de leitura simbólica, na Arteterapia. Eu me fortaleci e a Arteterapia foi a minha salvação, me ajudou nesse período. A minha válvula de escape, como sempre, foi a arte, o desenho, a colagem. O curso me ajudou a ir equilibrando o resto”, relata. “Agora eu estou com 60 anos, quase me aposentando, e estou começando a focar em coisas que eu amo muito, como o universo da arte”.
A propósito, Marta também usa a Arteterapia na sala de aula. “Eu faço dinâmicas! Por exemplo, a gente tem uma aula de ensino religioso e eu gosto de usar essa aula para trabalhar sentimentos. Então, por exemplo, o medo. Pedi para eles desenharem, escreverem, transformarem o medo deles em alguma coisa concreta no papel, só para eles”, explica. “Depois pedi para que eles picotassem o papel em pedacinhos bem pequenininhos. Com aquele tanto de papel colorido, jogamos para cima e ressignificamos o medo. É uma técnica que tem a ver com a Arteterapia de alguma forma, sem o processo analítico, mas na dinâmica. E também tem algo da Filosofia”.
“A gente ensina as crianças um monte de coisas, mas, em geral, não ensina as crianças a se perceberem. Alfabetização, geralmente, trabalha com conteúdos formais, mas eu tenho tentado trazer esse trabalho diferente, mais humanizado, para a minha escola. Eu tento fazer na minha classe, na minha escola, mas eu queria que fosse assim em todas as escolas do Brasil, sabe?”, revela a professora.
Refletindo sobre a alfabetização, Marta explica que se apaixonou pela área devido à possibilidade de ampliar o mundo da criança. “Você tem que ter esse cuidado, de mostrar o mundo como ele é e como ele pode ser também. Eu faço leitura com as crianças e procuro livros que tenham uma mensagem de otimismo, de liberdade, de mundo bom. Afinal, a realidade das crianças com as quais eu trabalho não é muito cor de rosa, maravilhosa, eles são alunos de escola pública na periferia do Maranhão. Eu acho que a alfabetização é uma questão de oportunidade. É ali que a gente está plantando o que quer colher”
Para 2022, a professora acredita que seja necessário focar no acolhimento dos alunos e no resgate da paixão docente. “Sem ser piegas, professor tem que amar ser professor e, no momento em que ele sabe desse amor, ele começa a fazer as coisas que precisam ser feitas e isso muda a vida das pessoas”, diz. “Então, eu acho que é com essa ideia que a gente tem que começar o ano e se estender por esse ano. Estamos lidando com pessoas que estão fragilizadas, e a gente tem que ter cuidado, mas as coisas vão acontecer, na medida que a gente se programa, se planeja para que aconteçam. É muito trabalho mas, quando a gente faz algo que a gente gosta, a gente trabalha com prazer”, conclui emocionada.
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